terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Cristianismo envolvente:a expansão das raízes do viver Cristão.


cross

Por um Cristianismo bem mais do que Religião
[Uma leitura da vida cristã baseada no texto de Hebreus 13:1-17.]

            O verdadeiro cristianismo exige que o cristão viva como tal em todos os lugares e esferas do existir humano, pois é deste modo que Cristo se projeta: a todos os lugares através do crente. Destarte, já não há mais hiatização entre o sagrado e o secular, o santo e o comum. Sob todas as direções do viver cristão é Cristo quem estará presente impelindo ou limitando as ações do crente.

            Desde cedo se aprende que o Cristianismo deve ser muito mais do que uma religião. É a encarnação da vida e ministério de Jesus Cristo na Igreja (I Pe.4:15;Jo.20:21;). Vai além da visão de se viver como mártir; é testemunhar o amor de Cristo através das mãos que dão o pão, do falar que edifica a quem ouve ou a porta que se abre e recebe o desabrigado (Êx.23:11;Pv.14:21;Mt.25:40;Lc.14:13; Gl.2:20;Tg.1:21ss).
            A bem da verdade, este mesmo Cristianismo ensinou que boas ações são vazias de significado se não forem o exercício da verdade interna no coração do crente (ICor. 13:1ss;Tg.1:26,27;2:1ss;IJo.3:17,18).
            É com este pensamento que o autor da epístola aos Hebreus procura levar os seus leitores a viver a vida cristã. A conclusão desta epístola é uma exortação para que o crente manifeste, de modo prático, o rompimento com a velha vida e expresse o seu novo viver com Cristo em um relacionamento tanto interior quanto exterior, com o próximo. A exortação (13:22) parece-nos estar ligada ao testemunho que os cristão deveriam dar aos  incrédulos que em viagem a Jerusalém, não tinham onde se abrigar. Num primeiro momento, pode-se pensar que o capítulo treze é um texto isolado de significados, devido à mudança estilo-literária repentina. Mas, ao se ler o capítulo anterior (12:1-3), se descobre que o capítulo treze e o exercício daquela fé que só tem olhos para Cristo(IJo.4:20,21).O coração cristão é abraçado pelas raízes do Cristianismo de tal maneira que a sua cosmovisão acerca do mundo é esmaecida pela sua nova maneira de entender o mundo (Cl.3:1ss). É este novo viver em Cristo que naturalmente testemunha da fé cristã (Mt.5:14-16; II Co.2:15;3:2,3).
            A vida em Cristo, conforme exorta a epístola, leva o verdadeiro Cristianismo a se manifestar, naturalmente, em pelo menos três direções do relacionamento cristão: (1)- Igreja/sociedade;(2)- Deus e o cônjuge, e (3)- Eu e Deus. Nestas três direções, o Cristianismo se expande e ganha dimensões capazes de levar o crente a viver uma “fé prática”. É esta fé que importa no último capítulo de Hebreus, pois é ela quem diz em quem se crê. E o que se vive não deixa de ser indicativo daquilo  em que se crê. É com esta noção, que o capítulo elenca três  aspectos deste Cristianismo que o crente deve viver.
            Têm-se como primeiro aspecto deste verdadeiro Cristianismo:

I- O Cristianismo que 'todos' vêem: Cristianismo na sociedade (1-3):
            O autor assevera: “[...] permaneça o amor fraternal [...]”. O amor é a norma orientadora na comunidade cristã (Jo.14:21;15:10). Parece que a permanência deste amor é que fortaleceria os demais pedidos: hospitalidade, lembrança dos presos, fidelidade conjugal e obediência aos líderes.           Por que o autor desta epístola pede aos leitores para agirem com amor fraternal? Ora, porque o amor consiste em cuidar dos outros como cuidamos de nós mesmos; é altruísmo em ação; é a derrota do egoísmo. Os crentes desta epístola já haviam demonstrado em alguma ocasião atitude de amor e receberam por isso elogios (Hb.6:10;10:34). Esta forma de amor exteriorizado em forma prática revelava que o cristianismo é possível de ser vivido em dois ambientes aparentemente opostos entre si:
(1)- O cristianismo dentro da comunidade cristã : 
            É sabido que, embora houvesse demonstração de grande amor e obras na igreja de Jerusalém, as condições na igreja era de desavença e contenda (Hb.10:24,25). Calvino mesmo, nesta passagem, nos lembra que “não podemos ser cristãos sem sermos irmãos.”
            Assim, é possível entender a palavra do autor quando diz: permaneça o amor fraternal.” A idéia em mente é a de que o vínculo estava para ser rompido entre os crentes desta igreja. Pode-se então deduzir que a razão do Cristianismo ser verdadeiro não é a estrutura eclesiástica ou a sua organização hierárquica, mas a maneira como o amor de Cristo é elencado em cada relação inter-pessoal dentro de sua igreja (ICo.1:4-11;12:12-28;Fl.2:1ss).
(2)- O Cristianismo na sociedade externa a Igreja:
            Este é o Cristianismo fora das quatro paredes. O autor sugere que a igreja leve o seu relacionamento afetuoso ao alcance 'dos de fora'. Não é sem menos que tal ordem aparece aqui. Era clara a ameaça de iminente perseguição aos crentes desta epístola (Hb.12:4). Demonstrar a fé cristã fora das quatro paredes era correr risco. Daí o versículo 13: “Saiamos pois a eles fora do arraial, levando o seu opróbrio [...].” Em três ocasiões o autor da epístola menciona a necessidade do crente sair do acampamento ou da cidade (11,12,13). No versículo 12 ele diz 'porta' , pois tem em mente a Jerusalém de seus dias; uma cidade cuja muralha tinha várias portas através de uma das quais Jesus foi conduzido para fora, afim de ser crucificado.
            O autor convida os crentes para que rompam com o medo e o cristianismo enclausurado e saiam a fim de exporem-se até mesmo à vergonha. Mas, sair como? De que maneira conduzir o Cristianismo à uma sociedade que nos odeia (Jo.7:7;17:14-21;IJo.3:13)?

            A epístola ensina como a igreja sairá de seu ostracismo e exporá à sociedade fora de seus portões:
(A)- A Igreja sai à sociedade ao atrair os homens com a sua hospitalidade:
            A hospitalidade para com os estranhos era considerado uma virtude importantíssima na Igreja Primitiva. De modo especial numa época em que quase não havia comodidade para os viajantes e as hospedarias nem sempre tinham boa reputação. Não se pode afirmar que tal hospitalidade era manifesta somente aos cristãos viajantes, uma vez que, a palavra hospitalidade é apresentada pelo termo 'philoxenia'; isto é, 'hospitalidade para com os estranhos' ( Rm12:8).
(B)- A Igreja sai à sociedade quando submete a sua liberdade ao serviço daqueles que já não a têm mais:
            Agora o movimento de hospitalidade eclesial segue caminho oposto ao primeiro. A igreja não mais atrai as pessoas para as quatro paredes. Agora, a igreja sai ao encontro dos cristão e outros levando consigo o conforto da hospitalidade. Faz da cela uma igreja/lar.
            No mundo antigo, os cristãos haviam estabelecido uma excelente reputação para si mesmos pelo fato de exercerem caridade aos presos e aos sofredores. Jesus mesmo incentivou os seus discípulos a agirem com tal caridade (Mt.25:31-46). Paulo sentiu refrigério quando visitado na cadeia por Onesíforo (IITm.1:15-18).
            Fato é que, o autor apenas reacende à memória dos crentes o quanto eles foram admirados pelos não-cristãos acerca de sua conduta (10:33). Assim, ele diz “lembrai-vos”, o que, literalmente, significa que esta lembrança deve resultar em ação correspondente ao fato lembrado.
            A implicação desta exortação deve levar-nos à uma introspecção até o ponto de manifestar em nós o desejo de vivermos um cristianismo capaz de superar as dificuldades inter-pessoais e invadir a vida do outro com o amor de Cristo, indiferentes a quem  quem quer que seja (Lc.10:25-37;Rm.12:13;Gl.6:9,10).
            A próxima direção que o verdadeiro Cristianismo se manifesta, soaria contraditória com a primeira se não entendêssemos o propósito do autor. Conduz-se a vida cristã intra-eclesial em direção à sociedade. Agora, segue direção oposta. O Cristianismo é levado para dentro das quatro paredes conjugais.
            É este o outro aspecto  que o Cristianismo leva o crente a viver:

II- O Cristianismo que 'um outro' vê: Cristianismo na vida conjugal(4):
            Conforme Kistermaker, “quando o casamento é honrado no lar, o amor emana para a sociedade de diversas maneiras.”Contra-partida, não existe problema na sociedade ou na igreja mais difícil e generalizado do que a questão da impureza sexual (ICo.5:1ss). É redirecionado o assunto: da vida pública à esfera íntima. Isto, porque, o verdadeiro Cristianismo chega à casa de seus leitores infiltrando-se sob os lençóis do casal e exigindo respeito! Fica explícito o fato de que a vida em Cristo não deve ser vivida somente onde estão os muitos. A vida cristã também deve se deitar entre o crente e aquele que o conhece como ninguém; isto é, o seu cônjuge. Duas proposições visam preservar essa esfera cristã:
(1)- O Cristianismo deve estar presente no ato sexual “respeitoso”:
            Provavelmente, os motivos que levaram o autor da epístola a mencionar a vida conjugal  sejam dois: (A)- Alguns (ascetas) desprezavam o casamento. Entendiam que a vida sexual era pecado contra o espírito humano (ITm.4:3). Contudo, para Hebreus, o casamento não deve ser desprezado, mas honrado. Para isto, Cristo é o exemplo de respeito e pureza, quando se entrega à sua igreja (Ef.5:22ss); (B)- Os crentes desta epístola corriam o perigo de voltarem  à imoralidade.        Este motivo é abardado a seguir, posto que a imoralidade não condiz com o viver de um crente fiel a Cristo. Contudo, os crentes deveriam perceber que nada de desonroso existe nas relações de matrimônio e que sua intimidade física, quando corretamente praticada, não produz qualquer contaminação (I Pe.3:7).
(2)- O Cristianismo deve estar presente no compromisso de fidelidade conjugal sem “mácula”:
            Segundo a texto, o respeito conjugal é demonstrado, antes de tudo, na fidelidade conjugal. Há presente, no versículo quatro, duas palavras: impureza e adultério. Estas já não fazem mais sentido para a maioria dos relacionamentos modernos. Enquanto o sexo para o crente é compromisso, para o mundo é um prazer como distração (Pv.6:25-29).
            Todavia, Deus deixa claro dois fatos importantes para a nossa sociedade pós-moderna no que concerne a banalização sexual: (A)- A 'impureza', além de ressaltar, por contraste, o compromisso monogâmico, esboça que o sexo está limitado ao casamento. (B)- O adultério, por sua vez, retrata a impureza pessoal (Pv.6:32;ICo.6:9,10) e o desrespeito para com o cônjuge.
            A vida a dois exige que o respeito mútuo se manifeste em pêndulo de fidelidade e pureza. Reclama que os corpos se enlacem sob o impulso de almas sem 'máculas'. Esta palavra (mácula) é a mesma empregada  em 7:26, onde descreve a santidade de Cristo, o nosso sumo sacerdote. Portanto, a importância que Deus dá à santidade na vida a dois não é pequena! Ela deve ser espelhada na vida de nosso Senhor Jesus (Jo.8:46)!
            Ora, isto significa que o “Cristianismo conjugal” é mais do que dizer eu te amo. Tal declaração não surtirá o mínimo de efeito se não vier antecedida de virtudes que a comprovem. No caso textual, a virtude que demonstra o amor é a fidelidade, ou seja, 'o leito sem mácula'. Oh, como é feliz o leito cujos lençóis, no passado, não foram tingidos pelas nódoas  do desrespeito (Pv.30:19)!
            É significativo perceber o valor que a igreja neo-testamentária dava ao matrimônio quando, em semelhante contexto de desprezo à fidelidade conjugal, a igreja hodierna padece de referências. “Um casamento estável é um tijolo na estrutura da sociedade”, comentou Kistemaker.
            Mas, o Cristianismo que ultrapassa os limites da simples religião exige ser essência, antes de existência em nossa sociedade e leitos. Os dois ambientes em que se vive o Cristianismo, social e conjugal, só nos é possível existirem de fato, se a essência cristã tiver procedência no eu. Isto quer dizer que, antes de viver a Evangelho na sociedade e no sexo, eu o preciso viver para comigo mesmo e Deus.
            Assim, a epístola torna a vida cristã ainda mais íntima e mais consciente. Deixa claro que o Cristianismo que todos vêem ou o outro vê nem sempre implica no Cristianismo que Cristo procura. Que Cristianismo Ele espera encontrar?

III- O Cristianismo que só 'Um' vê: cristianismo vertical- eu e Deus(5,6):
            O autor da carta movimenta-se do Cristianismo social para o conjugal estreitando-o até chegar àquela circunstância onde não pode se ocultar; isto é, não se pode sufocar a desconfortável voz da consciência presa pelas correntes do Evangelho. A vida cristã antes de se relacionar e expor-se a todos, é um relacionamento de descoberta surpreendente do homem para consigo mesmo e para com Deus (Sl.144:4;Mt.12:12;Jo.2:24,25).
            Deste modo, ainda que o Cristianismo não atinja o leito maculado, não deixa desapercebida a sua ausência no coração daquele que se diz cristão. O texto evoca introspecção quando leva os seus leitores a examinarem, não os seus bolsos, mas os corações (13:5). Um coração avaro e descontente não foi verdadeiramente abraçado pela raiz envolvente do Evangelho (Mt.13:7,22).
            Não se critica o uso do dinheiro ou o seu merecido salário (ITm.5:17,18). Critica-se a crença de que é no dinheiro que o homem pode encontrar a satisfação que busca na vida. Por isso, avareza, em Hebreus, não é simplesmente ganância; antes, significa  o amor devotado ao dinheiro (ITm.6:10).  Este significado só se encontra aqui e em ITm.3:3, onde aparece, entre uma lista de vícios, a avareza.
            Objeta-se se a avareza pode existe sem o descontentamento. Em Hebreus, não! Da mesma forma em que respeito matrimonial não existe sem a fidelidade, a avareza não existe sem o descontentamento. O desvelar textual enseja três idéias desta inseparável união:
(1)- A avareza, além de egoísmo, é falta de confiança em Deus (Mt.6:25ss; Lc.12:13ss; II Co.9:5; ITm.3:3):
            É egoísmo, pois só se quer o que se julga de valor para si e não, para o próximo. É incredulidade porque o avaro acredita que o que tem é fruto de seus esforços e inteligência e não, cuidado de Deus para com ele (Sl.127:1ss). Não é sem mais que Kistemaker observa uma ligação existente entre o leito conjugal maculado e o amor ao dinheiro. Ambos, segundo ele,“revelam o desejo do homem pela esposa, pelas possessões e propriedade de outro homem.”

(2)- A avareza é a projeção errada do conceito de felicidade nesta vida (Js.7:21-26;Lc.12:19-21,34):
            Somente aquilo que amamos de verdade é capaz de nos trazer felicidade. Se o que amamos é vaidade, a nossa felicidade não dura mais que um momento. Assim, a pálida felicidade nos compelirá à uma busca infinita por mais e mais de suas doses diárias (mesmo que a qualquer preço).
            Ora, não é ao dinheiro a quem devemos amor, mas a Deus e aos homens (Mt.22:37-40;Rm.13:8;Cl.3:5). O crente não pode ser levado pelo materialismo que sempre atravessou a história humana (Mt.6:19-21).

(3)-A avareza é a insatisfação humana com aquilo que se possui (Pv.30:15;Mc.7:21,22;Lc:15:12,14,31,32):
             É obvio que a insatisfação é fruto do falso conceito de felicidade projetado pela avareza. Por sua vez, o contentamento é, justamente, o resultado da noção de que o dinheiro não tem um fim em si mesmo (Ec.5:12; ITm.6:8). O verdadeiro contentamento, salienta o texto, vem de Deus (Fl.4:11ss).
            A epístola remete-nos ao V.T. onde Yahweh cuidou diligentemente de seu povo (Dt.31:6,8; Js.1:5;Sl.118:6).É claro que os crentes também terão de Deus o seu cuidado! Barclay observa que o modo como o versículo 5 e 6 se ligam,sugere que  a vareza é superada pelo contentamento oriundo da constante presença de Deus. Não foi esta a descoberta que os discípulos fizeram, quando, mesmo sem bolsa, alforge ou espada disseram a Jesus que nada lhes faltou (Lc.22:35)?

As raízes do Verdadeiro Cristianismo desconhece os 'hiatos' da vida cristã:
            Se o verdadeiro Cristianismo atinge o homem em todo o seu caráter relacional, quer interno ou externo, não é de se esperar que ele queira deste mesmo homem nada menos que o seu tudo (Mc. 12:28ss; Lc.12:34;ICor.10:31)?
            Se assim o for, a vida cristã desconsidera qualquer noção de 'hiatização' entre aquilo que poderia ser considerado de Deus ou “do mundo” (Tt.1:15). O crente não consegue mais se mover neste mundo desacreditando que algumas atitudes, ideais ou desejos não-cristãos poderão conviver livres de sua vida fiel a Deus (Cl.3:1ss). O cristianismo envolveu-o de tal forma que o mundo visível e o invisível fundiram-se tornando um só mundo: o de Deus (Sl:24:1;Fil.1:21;Cl.2:20-23).
            Não deveria soar-nos estranho o autor desta epístola parecer destoar dos capítulos anteriores este último? Ele não teria por objetivo demonstrar que, tudo aquilo que se crê de Cristo deve ser visto em confirmação prática?
            Ora, é fato que o homem pode até ser capaz de distinguir aquilo que é de natureza teórica ou prática. Mas, seria este homem capaz de conceituar, igualmente, o que de sua vida é cristã ou “mundana”?
            Seja qual for a resposta, se há a possibilidade desta distinção, é ela a indicação de quão profundas ou rasas estão as raízes do verdadeiro Cristianismo  em nossa vida.

Pr Eliandro da Costa Cordeiro. SPRC






segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

SER e Parecer





“Eliandrinagem” de O Homem na República de Platão, I e II.

   SER e Parecer:
Ser e Parecer
Aparecer ao ser,
Ser ao aparecer,
Aparecer e Ser.

Para Ter: nem sempre Ser,
Para se Ser: SER sempre sem nunca se TER
Para Ter: Ser; e não- para Ser: Ter
Para se TER: sempre SER.

O que Parece É, antagonicamente, o que ‘não se quer Ser’: o TER.

Eliandro da Costa Cordeiro

sábado, 21 de janeiro de 2012

SABER FAZER E FAZER SABER



"Saudações cristãs" a Roger Bacon (Mt.7:24ss)


SABER FAZER E FAZER SABER

Uma coisa é saber fazer,
Outra coisa é fazer saber.
O sábio faz saber o que os outros precisam saber fazer.

Todo sábio deve saber fazer o que faz  saber os outros.
Saber fazer
Fazer saber.

É preciso saber saber para fazer fazer saber.
Tanta gente faz saber sem nunca saber fazer…

Aquele que sabe fazer saber sabe mais do que aquele que só faz saber
 ou só sabe fazer ou, só,saber saber.

Pois, fazer saber fazer parte daquele que sabe saber fazer e faz o saber fazer sabedoria na vida de quem só sabe.




                                                           Eliandro da Costa Cordeiro


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O cristão e a patente invisibilidade do visível Reino de Deus




Uma análise escatológica de Reino/Parousia, em  Lucas 17:20ss

            Parece que o clima de “parousia” (segunda vinda de cristo) anda meio esquecida do meio da igreja. Já foi tema de debates e fissura diária do vocabulário cristão. Sobre esse tema já surgiram muitas doutrinas e heresias no decorrer da história da igreja. Houve quem marcasse o retorno de Cristo para tal e tal data. Isso porque o evento da volta de Cristo se dá junto à idéia do Reino de Deus, sua origem e ápice.
De fato, Maranata e Reino não se dividem (Mt: 24:14). Ambos se cumprem juntos (e não se quer discutir, aqui, posições escatológicas). Pelo menos é o que o texto de Lucas 17 ressalta.  Há neste a certeza do julgamento e a importância de se estar preparado para se viver o Reino e o seu cumprimento, isto é, o seu escaton na história dos homens.   
Conforme o versículo 37, a volta de Jesus vai ocorrer no momento adequado, de modo completamente evidente. Ou seja, quando a condição do mundo for aquela em que Deus acha indicada, então virá o Cristo. Jesus insinua que a sua volta é certa, inevitável, porém, imprecisa quanto ao quando.
 Essa idéia inicia-se a partir da pergunta feita pelos fariseus a Jesus acerca do tempo em que o Reino de Deus haveria de se manifestar. Talvez fosse uma pergunta sincera, sem intuito de embaraçar a Jesus, visto que o Mestre freqüentemente falava sobre o manifestar do Reino dos céus.
            A resposta do Senhor deixa claro que o Reino de Deus é diferente de quaisquer reinos que os fariseus pudessem esperar. O reino de Deus já estava acontecendo no meio dos homens, habitando com eles, mas com eles fora do reino. Com isso, Cristo significava que o Reino estava ao alcance de todos, podendo ser atingido se buscado e procurado por esses, contudo, não confiado por esforços, mas mediante a humilde fé (Lc: 12:32). Mas, acima de tudo, o Reino estava no meio dos homens mediante a pessoa do Filho de Deus. Em Jesus o reino anda e fala; tem-se a fiel representação da vontade e domínio de Deus feita na terra (Mt: 6:9-15).
            O dizer de Jesus deixa esboçado um duplo manifestar do Reino de Deus inteiramente diferente a concebida pelos judeus. O Reino se manifesta sob duplo aspecto: “já e ainda não”. Já, pois se manifesta no Filho, indo ao alcance de todos os homens, não sendo provocado, mas provocando, pois não deixa ao ouvinte das palavras de Jesus em nulidade. Não se decidir por Ele já é decidir-se contra Ele. “Ainda não”, porque terá o seu ápice na parousia, no julgamento repentino de Deus sobre os homens. O nosso Senhor utiliza-se de dois exemplos típicos de julgamentos no V.T: (1)- o dilúvio e (2) Sodoma e Gomorra. Contudo, Jesus salienta pessoas dentro desses exemplos típicos: Noé, Ló e sua esposa...

            Portanto, o texto se refere ao duplo aspecto desse manifestar do Reino. Para Jesus essa verdade não poderia ser oculta aos crentes fiéis, uma vez que, os cristãos genuínos procuram guardar suas palavras e anelam sua volta.
            Assim, Jesus em seu discurso, deixa como verdadeiro que o Reino de Deus só pode ser visível àquele que se torna diferente à indiferença escatológica. A clareza desta invisibilidade torna o oculto simples e óbvios àqueles que vigiam e aguardam piedosamente pela vinda de seu Salvador.
Mas, resulta paradoxal a afirmação do Reino ser visível e invisível ao mesmo tempo? A resposta é negativa. E isto pode encontrar a sua significação ao depreenderem-se duas implicações a partir da resposta de Jesus aos fariseus sobre o Reino e sua vinda que poderão lembrar os crentes quanto a essa tão ouvidada certeza:
Tem-se como primeira implicação o fato de que o cristão não olha indiferente às ‘indiferenças normais’ da vida (20ss).
            Jesus deixa claro em seu discurso que o ‘estardalhaço’ que antecederá a sua vinda é o silêncio ensurdecedor do manifestar do Reino (24). Ao mesmo tempo em que o Reino é silencioso, ele é também como o raio que corta o céu; isto é, pode ser visto! O juízo de Deus cairá sobre os homens onde quer que estejam. Assim, o juízo divino acontece em seu tempo e lugar, VV.34-37.
      Rinaldo Fabris e Bruno Maggioni comentam que, “nos círculos apocalípticos, tentava-se calcular o tempo e fixar um calendário do Reino de Deus procurando sinais premonitórios em acontecimentos extraordinários no céu ou sobre a terra: guerras, pestilências, carestias etc. Os fariseus procuravam manter viva esta esperança no povo e apressar a vinda do Reino com a observância da lei e a penitência” (“Essa geração incrédula me pede um sinal [...]” Mt: 12:39, 41, 42, 45).
           Mas, por que o Reino é silencioso? O silencio do Reino é provocativo aos ávidos por intenções triunfalistas humanas. O Evangelho não satisfaz a curiosidade religiosa dos homens que obedecem muitas vezes à necessidade de abandonarem as necessidades interiores ou substituírem o compromisso e a liberdade responsável com especulações abstratas (“ei-lo aqui...” [21,23]; I Tm: 4:1-).Evans lembra que, “noutras passagens de Lucas somos informados de que o Reino de Deus é algo que pode ser visto, e será visível por alguns dos da época de Jesus (9:27)”.
           A questão é que, a noção de Jesus acerca do Reino não tem correlação com a dos fariseus ou escribas. Jesus não compartilha da mesma concepção dos fariseus. O que implica o texto é que o Reino não virá, não pode ser visto como reino geográfico ou político. Não é uma entidade política, é poder dentro de vós (Lc. 17: 21c; Rm: 14:17).
     O Reino que Jesus apresenta é capaz de frustrar as expectativas humanas acerca de domínio dos céus (Mt: 11:12). Ao indiferente, nem o barulho lhe soará diferente. Este está tão preso aos seus deleites e planos particulares que não haverá barulho capaz de acordá-lo antes da queda. E isto é assim ao definir o indiferente no texto em questão, ele é mais bem visto como aquele que se põe diante de objetos que lhe causa maior prazer ou maior consideração, valoração.
     Portanto, a indiferença dos homens da época de Noé ou de Ló, bem como a de sua mulher, não aponta em si atitudes de pecados. Nada há de pecado em suas atividades (26,27). O que Jesus ressalta é que, aqueles homens estavam tão ocupados em seus “negócios normais desta vida” que não prestaram atenção alguma a Noé. Os homens não serão condenados por seus pecados maiores do que os dos outros, mas por seu egocentrismo extremado. O resultado foi a surpresa do iminente fim.  Paulo corrobora esse comportamento dos homens mundanos contrastando -o com o comportamento dos cristãos. Em Colossenses capítulo 3, os crentes são aqueles que não são indiferentes ao céu, tampouco à realidade da terra (Tg. 1:19-27).
   Deste modo, a vida de vigilância do crente contrasta-se com a figura de espírito da mulher de Ló. Esta mulher torna-se parente de Abraão por casar-se com Ló, seu sobrinho. Ló é justo e salvo, sua mulher se salvaria por meio dele. Essa mulher é aquela que se poderia dizer uma "quase salva". Mas estar no caminho que leva à salvação pode não significar salvação, para muitos. Os salvos são aqueles que, à semelhança de Noé e Ló, fogem do pecado e se dedicam à voz Daquele que lhes chama. Logo, é a diferença para com o modo indiferente com que o mundo se comporta que o cristão tem como alerta a vinda de Cristo e o estabelecimento definitivo de seu Reino.
           Que diferença temos apresentado perante aqueles que agem como se Deus não os haveria de julgar (Sl.53:1)?Seriam as nossas vestes, cabelos, o “evangeliquês”, o não comer isto ou aquilo? Para sermos bíblicos, não parecem ser somente essas as diferenças que Jesus nos apresenta aqui.
           Há, ainda, fundamentalmente, outra implicação acerca do ensinamento do Senhor sobre o seu Reino/Parousia. O texto esboçado alude que o cristão é aquele que decidiu viver o paradoxo existencial da cruz (32 33,37).
           Ora, a vida cristã exige do crente a “des-sublimação” do eu. O que isto quer significar? O crente deve reconhecer o seu estado de pecado e vigiar insistentemente quanto a volta de Cristo (Cl.3:1ss).
Toma-se como noção dessa realidade o exemplo negativo de Sodoma. Nesta cidade as pessoas não reconheciam seus pecados, tampouco deram ouvidos à advertência de que o julgamento de Deus estava próximo (Gn: 6,7). A partir deste exemplo, então, deve-se entender que a vinda do Filho do homem dever ser entendida não só como acontecimento repentino e inesperado, mas acompanhada de julgamento sobre a humanidade.
           Os versículos 31-36 descrevem que a primeira coisa sobre a qual Cristo instruiu seus discípulos sobre como se preparar para o tempo de provação: (1)- Jesus salienta que o momento da crise, o crente deve estar preparado. Não haverá tempo para se fazer provisão. A pessoa que correr para dentro de casa a fim apanhar objetos pessoais, seus maiores valores, não está preparada para encontrar-se com o seu Senhor. Tal indivíduo seria parecido com a mulher de Ló que olhou para trás. A mulher de Ló é exemplo: deve-se estar disposto a sacrificar tudo para salvar o essencial (Gn: 19:26, compare com Lc.12:34). (2)- O crente deve estar preparado para a separação de qualquer tipo de afeição que se lhe interponha entre ele e Deus (Lc.17:32-37). Isto porque, hás vezes, pode parecer que abandonar o que se ama dói mais do que ser abandonado pelo Amado.
  Todavia, Cristo evidencia que ser genuinamente um cristão é viver é viver a crise de ser e do ter sem medo de se ter tudo o que se é. Contudo, é, paradoxalmente não ser o que se julga ser. A maneira como o cristão se comporta, face as exigências de Cristo, pode demonstrar que nem sempre o juízo feito é verdadeiro. Pois,Jesus salienta a valoração do Reino isto é; pelo valor empregado ao Reino é onde o crente encontra o seu valor próprio.
   Daí encontrar-se entre o dilema existencial da cruz. Por quê? Por pelo menos duas razões: (a)- Ao conferir valor ao Reino, o crente descobre que não tem valor ‘por’ e ‘em si mesmo’ (Lc. 12:13-21; II Cor. 4:7). (b)- Ao conferir valor ao Reino, o crente descobre que, ao encontrar-se nu, pode ser vestido pela glória de Cristo (II Cor: 4:7; Col: 2: 9- 15, 20; 3:1-.). Eis Nele todo o seu valor (I Pe. 5:4).
  Assim, compete ao cristão seguir os exemplos de Cristo (Fl.2:5-11). Este vive o dilema da cruz, trocando a glória de Deus pela mais vil posição divina -ser homem. E foi tão homem, como nenhum homem que pudesse querer ser Deus, teria poder suficiente para ser homem. Ele desafia o crente a um mesmo dilema existencial da cruz: Como? Levando o crente a: (a)- Entender que segui-lo significa abandonar-se aos seus cuidados. Contudo, que saiba também, que não há abandono descuidado em seus braços que não implique em viver o desafio de segui-lo morrendo todos os dias (Lc: 14:28); (b)- Entender que carregar a cruz após Ele não é descuido de si mesmo, mas, exatamente o oposto, é cuidar-se de si.
 Aqui está o paradoxo do orgulho humano! O homem deve abrir mão do seu mito de divindade (Gn: 3:5) e encarnar a fé salvadora que procede de Cristo. Conforme J. Sttot, a cruz de Cristo aponta a miséria e o fracasso do homem na tentativa de ‘ser’ Deus. É irônico que o homem que nem mesmo conseguiu ‘ser’ o que foi criado para ser (Ef: 4:13), queira ser o que nunca foi criado para ser (Gn: 3:5). Ao negar-se a si mesmo, o crente encontra a sua própria razão de existir: existir para Deus. Em Lucas 17: 34 e 35 têm a repetição da idéia do capítulo 14:26-36: Jesus exige daqueles que o querem seguir a prioridade de seu viver.
         O dr Shedd, sabiamente em seu livro “a teologia do disperdício”, a comentar a parábola da pérola de grande valor, relembra o seu saudoso amigo Jim Elliot, morto pelos Aucas, repetindo-lhe as palavras: Não é tolo quem larga mão do que não pode segurar, para pegar firme no que não pode perder”. É disso que Jesus fala.  A vinda de Cristo não será surpresa para aquele que suspira os valores do céu. Que não espera rios de cristais, ruas de ouro, assentar-se à direita de Cristo (Mt.20:21). Pois, todas essas coisas nada mais são do que a projeção humana de seus valores, uma vez que os valores divinos em nada se assemelham aos dos homens (Jo. 5:41, 44; 7:18; 12: 43). O homem centrado em si mesmo se perderá; o crente firmado em Deus, se salvará. Tudo o quanto o crente quer quando pensa no céu se chama Jesus Cristo!
  Observe que Jesus menciona que aquele que volta para buscar algo em casa, que põe em algo o seu coração é exatamente o indiferente. Não seria esse semelhante ao povo de Sodoma, aos ouvintes da pregação de Noé ou como a mulher de Ló, cujos valores eram tão vis?
  O versículo 33 deste capítulo, arrostado ao Evangelho de Mateus, deixa bem claras as condições para se pertencer ao Reino de Deus. Nele implícita-se o perder a vida por causa de Cristo (“por minha causa”). Significa dizer que no Reino, o crente já não mais vive para si, mas para Cristo. Álvaro Cezar Pestana chama a isso de Renúncia. A sua análise do texto significa que “é o compromisso com Jesus que transforma a renúncia em posse eterna”. Assim, não é difícil lembrar das palavras paulinas em Filipenses 1:21ss ou 3:7-11.
  A autopreservação pode prolongar nossa existência, mas nunca pode dar-nos vida! Não são poucas vezes que choramos as perdas e que as lágrimas nos impedem de vermos aquilo que jamais perdemos. Choramos as perdas e não vemos o quão fútil era aquilo que agarrávamos tão firmemente em nossas mãos. De manipuladores dessas coisas, tornamo-nos manipulados por elas. É só com o enxugar das lágrimas que enxergamos o quanto nos custou caro agarramo-nos à coisas tão insustentáveis e pobres. Daí, que descobrimos que chorávamos por nada. Chorávamos semelhantes à crianças que se recusam a tomar remédio por não agradar-lhes ao paladar, sem saber que com isso poderá adoecer fatalmente. Ela preferirá, por imaturidade, a bala ao que lhe curará. Assim, também nós agimos se não soubermos reconhecer o valor do Reino de Deus, tornando-nos indiferentes ao ensurdecedor silêncio do manifestar do Reino de Deus, só porque amamos mais os barulhos silenciosos do egocentrismo.
  Assisti certa feita, num documentário sobre animais, como determinada tribo africana pegava Babuínos sagrados. Com um buraco num tronco de árvore, o homem, depois de fazer questão que o macaco lhe visse, colocava dentro umas sementes apreciadas pelo animal. Feito isso, o homem punha-se de longe à expiar. O macaco, curioso como ninguém, logo se aproximava do buraco e tentava tirar de lá as preciosas sementes. Segurava-as fortemente. Ao ver o homem se aproximar dele, mais forte segurava as sementes e gritava.
  Fato é que, com os punhos fechados suas mãos não poderiam ser retiradas de dentro do buraco e, deste modo, era apanhado.   
  Não se dá do mesmo modo com muito cristãos hoje? Perdem-se porque nunca quiseram abrir mão de míseras sementes brotadas do solo deste mundo, tornando-se, assim, também indiferentes ao visível manifestar silencioso do Reino de Cristo?
  Que Deus nos ajude a entendermos estas verdades bíblicas tão preciosas.

Eliandro da Costa Cordeiro

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Quando 'não-ser' é melhor do que 'ser': a humildade na vida de João Batista








Uma reflexão do SER-Não-SER a partir da vida de João Batista  em Jo.1:15-27,32-37.


    
Reconhecer-se e aceitar-se como se é, firmemente, sob a oportunidade de expor-se como alguém cuja oportunidade parece vantajosa, exige do indivíduo humildade. Esta, além de ser o ambiente onde a alma habita confortável (pois é segura de quem se é), é também aquela virtude que esmorece a inveja abrindo-nos os olhos para o reconhecimento das virtudes alheias.
     Ora, ser identificado como ‘ninguém’ não agrada ao ego humano. Aliás, é absolutamente contraditório dizer que alguém não é ninguém. Alguém sempre será alguém, mesmo sob título de “ninguém”! Quiçá esta seja uma cicatriz que a graça de Deus imprimiu na alma do homem depois do pecado. Apesar de tudo, o homem, que já não é mais quem deveria ser, ainda permanece com o insofismável caráter ontológico do ser.
     Fato é que, muito mais do que uma questão de zelo pelo nome, desejar ser reconhecido como alguém que nos traz alguma espécie de vantagens é herança da queda. É legado de nosso pai Adão. Almejamos, por natureza, ocupar uma posição de 'sucesso'. Tal qual Adão, ser ou possuir aquilo que não somos ou queremos.
    Prima facie, desejamos o 'não-ser' apenas quando o 'ser' nos impõe um certo desconforto em sê-lo. 'Ser' inútil, pequeno, feio, medíocre, por exemplo, não temos dificuldades em negar que somos.
     Contraditoriamente, aquelas pessoas que corajosamente dizem 'não-ser' algo ou alguém e abre mão das vantagens que poderia obter se aceitasse ser o que não se é, impõe-se como factualmente alguém que 'é'. Melhor dizendo, ao recusarem ser o que os outros querem que elas sejam, firmam seus valores, virtudes e caráter. Elas não são aquilo que desejamos que sejam, todavia, são aquilo que, muitas vezes, não desejamos.
     É preciso ter coragem de implosão psíquica e recalcada, lá no fundo da alma, para aceitar quem se é com coragem e prazer. E João Batista é um exemplo de alguém que diz 'não-ser' e, por isso foi quem foi. Entre coragem, tosqueza e resolução na maneira pela qual encarava a vida, sua humildade lhe coloca em posição de cordeiro.
    O Batista inicia o seu ministério antes de Jesus, entende sua missão e sem orgulho diante da possibilidade de ser alguém que, sem dúvida alguma, poderia acalentar com uma falsa esperança aos corações mais miseráveis e aflitos, diz que NÃO É. “Eu não sou o messias”, diz João.
     Se João Batista negava ser o Cristo que as autoridades religiosas esperavam ser, quem era ele, então? Por que ele parece ser alguém segundo a expectativa da maioria dos judeus? Ele não parece se importar em frustrar as expectativas acerca de sua pessoa, mas se motivou em afirmar-se como o João Batista através de sua negação de ser o Cristo esperado. Ele era a voz (Is. 40:3), o amigo do noivo ( Jo. 3:25- ), simplesmente “aquele que não era” digno (Jo.1:27) ou aquele que ‘não era’ o Primeiro (Jo. 1: 30). João tem que responder a dúvida daqueles que não sabem quem esse é. Ele não parece se importar em não deixar o deserto, nem sair do anonimato e se mostrar ao público. O seu lugar é em não-ser Aquele que os outros gostariam que ele fosse.
     Por que numa oportunidade como essa ele ‘apresenta’ o primo Jesus e se ofusca, tal qual as estrelas ante o sol? Talvez porque, para esse profeta, o seu motivo existencial se encontrara no fato de 'não-ser' aquele que todos desejavam que fosse. Era negar-se quem não se era para ser quem foi- apenas a voz!
     Ora, podemos nos perguntar a importância deste profeta no ministério de nosso Salvador. O evangelho de João apresenta inúmeras vezes Jesus como o “Eu Sou”. Este Eu Sou está imbricado de proposições teológicas acerca do Salvador e o seu relacionamento com o Pai. Deste relacionamento, João Batista tinha apenas a função de ampliar o caminho para o Grande Eu Sou entrar e esmaecer o ego dos corações dos homens.
    Muitos de nós, opostamente a João Batista, nos entristecemos por não sermos como alguém famoso ou aquela pessoa cuja as expectativas dos outros nos cobram. Não- ser o famoso, o mais inteligente, o mais bonito ou o melhor dentre os outros pode entristecer a muitos servos de Deus.
     Às vezes criamos e introjetamos na alma uma imagem que não é a verdadeira. Ela nos fora imposta pela sociedade, pelo grupo de amigos e, até mesmo, a família. Sabemos que não é a imagem que deus projetou em nós. Mas, como aceitarmos o duro 'não-ser' e ostentá-lo fazendo dele motivo de alegria?   
    João Batista foi alguns meses mais velhos do que o seu primo Jesus. Desde cedo soube o seu lugar dentre os parentes: a voz do deserto. Desde logo soube o seu lugar entre a sociedade e a missão de deus: a voz que clama no deserto. Todavia, o próprio Senhor Jesus reconhecer que ninguém que tenha sido antes de João foi maior do que ele, que não-era o que os outros gostariam que ele fosse. Ao que parece, Não-ser exige muito daquilo que somos!
    Se nos encontramos sob forte exigência de uma representação de identidade que não a nossa, ou cobrados por não sermos o que muitos exigem que sejamos, aprendamos com João batista quando não-ser é melhor do que ser:
    Não-ser é melhor do que ser quando reconhecemos que o nosso papel é fazer o outro 'SER' o que ainda  'NÃO É' (15, 26,27, 29).
    Não-ser não significa que não se é aquele que se deve ser. João Batista sabia o seu papel: era a voz. Voz não se vê, apenas se ouve. João negou ser o Cristo, mas não negou ser a voz. Ele só não era aquilo que a religião ou as autoridades gostariam que ele fosse. Não negou ser profeta ou mesmo aquele que cumpre o que está escrito no livro do profeta Isaías no capítulo quarenta e cinco. Não poderia negar que era algo. Negou ser o que os homens gostariam que ele fosse. O não-ser de João, o Batista, só o era em relação a Cristo.  Ele não poderia esperar ser nada além do que foi.
    Negar ser foi fundamental para que Jesus resplandecesse como o “EU SOU”. Não há inveja acerca do primo Jesus, mas entendimento do seu lugar e papel na vida do Messias. Também não há inveja neste homem. Ele sabe que a sua razão de ser é fazer com que Cristo Jesus aparecesse mais do que ele.
    Que lição temos aqui! A inveja não permite ao homem considerar o outro melhor, superior a si. “Se não lhe posso ser superior ou igual, que ele também não seja…” é este o grito de nossa alma dominada pela soberba e egoísmo. Mas não é isso que João pensa. Ele Sabe que nunca será como Jesus (Jo.1:27); sabe que não nasceu para ser o Cristo.A verdade é que J.B. viu no 'não -ser' o seu motivo para ser: “Eu não sou […] Esse é […].”
    Jesus, conforme o Evangelho de João, estava iniciando o seu ministério e agrupando os seus discípulos. Quem o conhecia? João Batista se encarrega de tal apresentação. E não só o lança à luz como também lhe entrega seus próprios discípulos (Jo.1:37). Se J.B. Buscasse ser mais do que a voz, do que o amigo do noivo, deixaria de Ser o admirável homem que foi, buscando-o SER.
    Ora, resulta-nos claro a verdade de que, quando se busca glorificar a Cristo ou deixar que o irmão 'seja' ou ajudamos a ser, não correremos o risco de sermos menos do que aquilo que Deus nos chamou para ser. Nosso irmão não é o nosso adversário ou concorrente. Ele não é aquilo que devemos ser. Ele é o que é, assim como nós somos quem somos- únicos!
    A pergunta que a autoridade judaica ouviu não foi aquilo que esperava. João sabe quem é e não deseja ser aquilo que não é. Não tem inveja de uma projeção errada, ou uma imagem roubada. Ele quer a sua imagem própria: ele é o amigo do noivo. A festa não é dele.
    Assim, se aprende que quando sabemos quem somos, não seremos invejosos quanto ao que os outros são ( 26,27, 29-31): 
    J.B. era um homem a par do significado do 'Não – Ser'. O que se vê na figura desse homem não é um homem tímido, encurralado, complexado ou em crise de existência. Em 'não-ser' ele encontrara a sua mais genuína forma de ser João Batista. É entender o porquê do deserto em que se cresce, da mensagem que prega, do modo como nasceu e futuro que o aguarda.
    Este profeta. não aceita a proposta de deixar de ser quem é para de fato ser aquilo para o qual não nasceu para ser.  Afirma veementemente 'não sou' por várias vezes. Não ser para ele não é mesquinhez de alma, não é negar a fé, antes, é assumir que é: Eu sou a voz! E como já não bastara ser apenas a voz, era a voz do deserto. Já pensou o que é uma voz no deserto?  E, além disso, o verbo clamar (kραζω, gr.perf.) retrata os efeitos ressonantes da voz, ou seja- eco. João não era simplesmente uma voz; ele era um eco! Talvez isto faça referência aos profetas que vieram antes dele, uma vez que ele foi o último destes.
     O profeta sabe que não se faz para ser, mas porque se é é que se faz (3: 25-30).Este fato lembra quando os seus discípulos viram em Cristo um concorrente com grande êxito, mas seu mestre viu no sucesso de Jesus a sua satisfação “[...] que Ele cresça […]”, disse João Batista.
    Oh, que satisfação e contentamento teríamos se tudo o quanto desejássemos fosse apenas ser aquilo quem Deus nos chamou para ser. Se deixássemos Jesus ser o nosso Eu Sou. Se ser apenas a voz fosse a nossa satisfação pouparíamos imenso sofrimento e frustrações.
    Fato é que, se aprende com o primo de Jesus que, quando entendemos o nosso lugar não aproveitaremos a oportunidade errada para ser o que não somos (20, 21,22, 27).
     Embora o que se acaba de afirmar, agora, pareça ser a afirmação anterior, não podem ser consideradas as mesmas. Uma coisa é saber quem se é, outra é saber quem se é e se portar como tal. Isto é facilmente observado no Batista. João Batista sabia sua posição. “Tu és o Cristo? O profeta? Elias? Ele disse não sou. Disse o seu lugar: depois Dele, embora eu vá à sua frente só o vou porque devo limpar-lhe o caminho […]” (cf.23). É necessário vencer a idéia de que, ser sempre alguém é sempre melhor do que ser aquele que somos. Exceto os pecados e falhas nossas, devemos agradecer a Deus por sermos quem Ele nos fez ser (pela graça de Deus (ICor.15:10).
     Os Escribas e Fariseus questionaram a J.B. se ao menos ele era Elias ou o profeta; i.e: “se não podes ser o Cristo que seja ao menos o profeta, que tenha um nome (Elias), mas voz não é ser!” Ledo engano. João Batista foi honrado exatamente porque quis ser, tão somente, a voz. Embora não vista, pode ser ouvida.
     Negar a oportunidade de deixar o orgulho brilhar exige confissão. O Evangelho de João menciona que J.B. confessou e não negou. Fritz Rienecker elucida que a confissão de J.B. se refere aos termos concordar e negar (ωμoλoγήσεν e ήρνήσατo). O primeiro termo marca a rápida dedicação do testemunho, o segundo, quão completo ele era. Quer dizer: os dois termos juntos indicam “ele declarou sem qualquer qualificação, afirmando”.
    Sabemos que, quando alguém está convicto de que os seus companheiros lhe são inferiores, não lhe é difícil aceitar um lugar humilde; não há motivo para ciúmes. O teste vem quando se é obrigado a se comparar com alguém que possui talentos evidentemente superiores. Surgem então conflitos e ciúmes.
    Quantos de nós rejeitamos a idéia de que um colega é mais inteligente do que nós ou mais talentoso? Preferimos descê-lo à nossa estatura a elevá-lo ainda mais. “Aliás, por que elevá-lo se eu mesmo continuo aqui? Pensa nossa mente longe da virtude cristã”. Ao nosso ser que não aceita ser quem se é, as Escrituras salientam: considere os outros superiores a si mesmo (Fl.2:3). E isto porque quando se descobre quem se é, não queremos ser o que os outros são, reconhecendo o que, talvez, nunca seremos.
    João Batista não era Elias ou Jeremias (Ml.4:5), muito menos o Messias. Ele era tão somente a voz do deserto. Ele era o “câmera-man” e não a personagem principal. O câmera-man não é notado, mas faz com que a personagem principal o seja.
    Aquele que sempre deve ser em nossas vidas é Cristo. Depois disto, eu só poderei ser exatamente quem eu devo ser; isto é, feliz com quem não-sou, porque só Nele é que Sou.

Só Cristo

                                                                                                                                           Eliandro da Costa Cordeiro

domingo, 15 de janeiro de 2012

Caminhos e Estradas

Uma reflexão feita no Caminho através da leitura de João 14.


                   


Caminhos e estradas
            Sigo por um caminho em que não há estradas.
            Cansei de seguir por estradas sem caminhos.

            Fiz estradas, trilhos, atalhos,
            Cheguei a algum lugar, mas não onde quis.
            Procurando viver,chamei estrada de caminho e atalhos de sabedoria.
            Descobri que estradas não são caminho, nem os atalhos nas estradas são feitos por          sábios.

            O sábio aceita o caminho, anda por estradas que o caminho aponta.
            Silêncio! Solidão! Medo! Propõe a estrada.
            Silêncio? Solidão?
            Coragem! Ordena o Caminho.
            Fiz do Caminho a minha meta.
         Sigo por um Caminho em que não há estradas.


Eliandro da Costa Cordeiro

Conselhos aos jovens: as verdadeiras flores não são de plástico.


    
Macrofotografia das flores: Dente-de-leão
                                               
                   [A reflexão de um jovem a partir da leitura de Eclesiastes 12:1-14; 11:1-10]

    A juventude pode ser tão bela e tão efêmera quanto a primavera e trazer consigo somente a nudez  do cinza outonal e os arrepios da velhice cujo tempo surrou sem compaixão, se não se entender o sentido da vida está em Deus.
  Talvez pareça ser essa uma idéia um tanto pessimista da vida, mas não menos real para muitos jovens desde os tempos mais isolados. Uma música da MPB já dizia que “o tempo não para”. Fato é que, o tempo nem o homem mais rico do mundo  pode comprar; a morte não o vende.
    Salomão tira as flores que enfeitam o jardim da juventude e procura mostrar aos jovens que sua beleza não sustenta suas raízes. Um olhar de alma aberta em Eclesiastes nos mostra a fragilidade da vida humana. Um dos objetivos deste livro está o de demonstrar ao jovem a insegurança desta vida. Trata-se de um conselho do já velho Salomão aos jovens.
    Aquele que estuda Eclesiastes pode ficar confuso, pois não parece terem muitos pontos que encorajam a viver uma vida de fidelidade a Deus. Pelo contrário, o pregador parece afirmar que a vida é destituída de significado “[...] vaidade, vaidade[...].” É a morte a grande niveladora de toda a indiferença e diferença entre os homens.
    Assim, Salomão diz:”Goze a vida, pois, isso tudo Deus lhe oferece.” O pregador parece antecipar a filosofia de Sartre, filósofo francês,  ao demonstrar que a vida mais se parece a “uma bolha vazia rumo ao mar da inexistência”. Aliás, o termo hebraico para vaidade é hãvel, que significa 'vapor, sopro ou bolha'.
     Por que, pois, Eclesiastes está na Bíblia se aponta a existência humana como pura vaidade? A resposta é que está ali como realce, isto é, como contraste com o que o restante das Sagradas Escrituras ensinam. Funciona como antítese.
    Os capítulos 11 e 12 do Livro são exatamente esse contraste e dá ao leitor esta advertência: “Teme a Deus [...] porque Deus trará juízo [...].”  Trata-se de um lembrete aos jovens que, na força da vida, se esquecem que o tempo não para, nem as mudanças no homem. Haverá um momento em que, para muitos, a vida será melhor vivida se olhada para trás, onde se foi forte e 'feliz'.
     Ora, ler esses capítulos de Eclesiastes poderá suscitar duas reações no leitor: (1)- a vida realmente não tem sentido; morreu, acabou! (2)- a vida é breve demais, mas complexa demais para não ter sentido. Portanto, deve haver um propósito na minha vida cuja a minha vaidosa existência aponte e me faça querer vivê-la da melhor maneira possível!
    A segunda reação é a que Salomão quer provocar em seus leitores.  O capítulo 11 fala das oportunidades que o homem deve saber aproveitar e o 12 reforça tal idéia ao ensejar que ao se lembrar de Deus enquanto jovem poderá evocar ao homem, quando velho, uma lembrança agradável na velhice. É como se o pregador dissesse: “Lembrança teremos sempre, mas de nada adiantará tê-la fora da oportunidade cedida por Deus.”
     Por quê o jovem deve se lembrar do Criador, agora, enquanto goza a força da vida? Há pelo menos três conselhos a serem ouvidos para que ao lembrar-se do Criador na velhice, o jovem não lamente não ter se lembrado Dele na juventude. Considere o primeiro conselho como um imperativo:

1- Não permita que o tempo o engane: saiba aproveitar as oportunidades (12:1; 11:1-8):
      O capítulo 12 de Eclesiastes está ligado ao anterior, onde se aborda a noção das oportunidades oferecidas pelo tempo aos homens.
    Salomão, volve os olhos cansados pelos dias e percebe que o tempo nem sempre é amigo. Ele tem o poder de enrugar faces e almas, matar sonhos, criar revoltas, endurecer corações... O tempo é o mesmo a todos os homens e o que lhes torna favorável em sua existência é o modo com o qual os homens utilizam as oportunidades ( Ecl.11:4-6).
    Às vezes, as oportunidades são como cavalos selvagens que devem ser laçados se o quisermos montar. É a oportunidade um elemento útil, não contra o tempo, mas sim, para viver o tempo sem a nostalgia que torna os mais velhos em “iludidos jovens”. Isto porque o único contentamento que este homem há de ter é o seu passado que, em nada modificará o futuro.
    Salomão diz que esse nostálgico homem não terá contentamento no presente (12:1c). O pregador nos leva a pensar em quantos sofrem, hoje, porque não souberam a oportunidade em tempo oportuno. Não laçaram o cavalo selvagem da oportunidade apostando em sua juventude e, o tempo passou e levou junto com ele a força, o sonho e o prazer pela vida!
    É com esmero que o rei de Israel aconselha. Usa elementos da natureza em sua didática como recursos que levarão os seus leitores à compreensão prática da vida jovem (12:2). Esses elementos naturais representam muito bem o estado da almo dos homens.
    Segundo A.N. Mesquita, , lua e estrelas são sinônimos de alegria, enquanto, nuvens prenúncio de temporal, tempestades. Ah, se todos os ias fossem de sol praiano, céu de brigadeiro e lua cheia! O esplendor da vida! Mas o tempo é o desestabilizador daquilo que o homem se ilude como perene. Ele é capaz de tornar o que se vê como belo na vida em desagradável  ausência (12:3-5): dentes, olhos, forças, música, aves... podem perder a beleza.
     Salomão admoesta aos jovens que a juventude dura exatamente o seu ciclo natural e não mais, ainda que haja aqueles que se neguem envelhecer (Ecl.7:10; 8:8). Mas a cerca disso, segue-se um segundo conselho:

2- Não passe a vida na inútil luta de parar o futuro ( 12:1b- 6):

     O problema com o futuro é que ele se torna presente, o presente passado e, o passado já não volta mais (Ecl.7:10). Esta realidade poderia levar o homem a se perguntar: no que me adiantaria trazer Deus à memória num mundo de representações e efemeridade, onde nada dura para sempre?
    Se lido atentamente Salomão, observa-se que mesmo num mundo onde tudo parece apontar para o nada,o homem pode desejar mover-se com satisfação na vida. Nessa vida onde nada dura para sempre, Salomão aponta-nos que Deus estabeleceu cada detalhe presente em todas as suas vicissitudes. Se “tudo Ele fez formoso” (Ecl.3:1-15), o futuro é só mais uma parte de seus planos, dentro dos quais o homem é peça fundamental. Em todos esse 'caos existencial', o rei vê motivos para desejar viver mais e, não menos ( Sl. 37:23-40; 90:12).
     Ora, se a juventude é primavera (Ecl.11:10), qualquer outra estação, isto é, fase da vida, há de passar também. Mas, por que Salomão compara a juventude à primavera? (1) É a estação onde a vida apresenta-se bela. Tal a beleza das flores, assim é a da juventude; (2) antagonicamente à beleza floral está a fragilidade de sua existência (Sl:103:14-16; I Cor.7:36). 
    Mas fato é que, quando criança, desconhecemos o tempo. Quando adolescente, não o tememos; quando mais maduros, acreditamos que por força o venceremos; quando mais velhos, sentimo-nos enganados por ele. Tentamos agarrar o tempo e fazê-lo voltar, mas, cabe-nos apenas o consolo das boas lembranças. E que lembranças teremos do futuro no nosso passado se, agora, não trazemos Deus conosco? 
     Vivemos num mundo onde perder a sua beleza, embora seja certa, é algo inaceitável! As enfermidades e problemas da vida já não são mais tão facilmente superados quando jovem. Salomão aponta para a realidade do medo da solidão, fraqueza física (12:4). Geralmente, nos lembramos que os conselhos são bons quando já estamos prontos para aconselharmos, isto é, já vivemos o suficiente. 

3- Não acredite que o conhecimento (sabedoria) é tudo o que você precisa para se realizar ( 7-14):

    Os jovens têm um mundo novo se abrindo diante deles e, muitos são levados à ilusão de poder manipular o novo mundo mediante as ferramentas do saber. É verdade que Deus colocou no coração do homem o desejo pelo conhecimento, mas não é correto que o homem se realizará plenamente nele.
    O mundo continua cheio de mistérios não desvendados, pois, os homens não vivem o tempo suficiente para conhecê-los ( Ecl.11:5,8). Daí que, não será a busca subjetiva por seus objetos de satisfação que o jovem se realizará. Ninguém se realiza sozinho, uma vez que a humanidade sofre na busca por respostas ao mistério de sua existência. Salomão diz ter trilhado esse 'caminho de academicismo' e se frustrado (9:1;12:12).
    O que fazer então?  O pregador indica, por experiência própria, o caminho:
(1)- Cabe ao jovem abandonar a auto-suficiência, não depositar confiança exacerbada na própria capacidade. Um dos problemas com o pecado é fazer com que o homem pense ser além do que realmente é (Sl 131:1-2).

(2)- O jovem deve aprender a discernir as convicções humanistas, pois podem levá-lo à encarar a vida como sem graça (Ecl. 2:1ss;7:29;9:1,2). Foi Protágoras, filósofo pré-socrático quem disse ser o homem a medida de todas as coisas, mas e quando este perde a medida de si mesmo?
    O rei Salomão em toda a sua obra esboça a sua intensa busca por significado de sua própria existência a partir de um viver egoísta. Entremente, procura mostrar que a vida por si mesma não oferece a chave para o seu próprio significado ( Ecl.3:19,20). Por que  mesmo com tanta sabedoria o rei acha a vida chata ( Sl.42:1,2)?  Agostinho de Hipona já dizia que a necessidade real do homem só se encontrar em Deus: “Tu nos fizestes para Ti, e nossas almas não encontrarão descanso enquanto não voltarem para ti.”
   Assim, pode-se afirmar que o homem por si mesmo não pode ajuntar o quebra-cabeça de sua vida (11:1-6). Ele anseia saber fazer tudo se encaixar. Mas cego pelo pecado, o máximo que consegue é se agarrar àquilo que se lhe parece seguro (At: 17:26-28; Rm.1:20-23).

(3)- Os benefícios da sabedoria não são suficientes para livrarem os homens do vazio (Ecl.2:1ss). Quem nos aconselha a lembramos do Criador é o homem mais sábio do mundo! Ele fala do uso de sua sabedoria: “plantei, construí, fiz, trabalhei, descobri... De repente, a sabedoria deste homem ergue a cabeça e grita: Toda essa vida que você está levando é vaidade! Salomão procura, então, levar o jovem ao propósito de sentimento de uma vida para o nada.
A futilidade da vida deve levar-nos à busca de sua razão em Deus. Somente quando alguém começa a temer a Deus é que começa a perceber a unificação da verdade, a compreender o sofrimento, as estações da vida humana.
    De que forma isso se aplica à vida do jovem?  É na lembrança de Deus que se encontra força, alegria e razão para não se ver a vida como caos, bolha vazia ou vaidade. A vida sem Deus não vale nada. A satisfação nesta vida tem o seu ápice nas Palavras de Cristo (Mt. 6:33; 16:26; Jo. 6:66-69) e não na crença de que somos capazes de suprir as nossas necessidades existenciais por nós mesmos.              
    Ora, o que Salomão esboça no fim de tanta vaidade é que, a cosmovisão compreensiva e o pleno desfrutar da vida é impossível sem o conhecimento do Criador (2:25). Por isso, deixa o conselho aos jovens, porque as flores não são de plástico.

Só a Deus Glória
Eliandro da Costa Cordeiro