sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O cristão e a patente invisibilidade do visível Reino de Deus




Uma análise escatológica de Reino/Parousia, em  Lucas 17:20ss

            Parece que o clima de “parousia” (segunda vinda de cristo) anda meio esquecida do meio da igreja. Já foi tema de debates e fissura diária do vocabulário cristão. Sobre esse tema já surgiram muitas doutrinas e heresias no decorrer da história da igreja. Houve quem marcasse o retorno de Cristo para tal e tal data. Isso porque o evento da volta de Cristo se dá junto à idéia do Reino de Deus, sua origem e ápice.
De fato, Maranata e Reino não se dividem (Mt: 24:14). Ambos se cumprem juntos (e não se quer discutir, aqui, posições escatológicas). Pelo menos é o que o texto de Lucas 17 ressalta.  Há neste a certeza do julgamento e a importância de se estar preparado para se viver o Reino e o seu cumprimento, isto é, o seu escaton na história dos homens.   
Conforme o versículo 37, a volta de Jesus vai ocorrer no momento adequado, de modo completamente evidente. Ou seja, quando a condição do mundo for aquela em que Deus acha indicada, então virá o Cristo. Jesus insinua que a sua volta é certa, inevitável, porém, imprecisa quanto ao quando.
 Essa idéia inicia-se a partir da pergunta feita pelos fariseus a Jesus acerca do tempo em que o Reino de Deus haveria de se manifestar. Talvez fosse uma pergunta sincera, sem intuito de embaraçar a Jesus, visto que o Mestre freqüentemente falava sobre o manifestar do Reino dos céus.
            A resposta do Senhor deixa claro que o Reino de Deus é diferente de quaisquer reinos que os fariseus pudessem esperar. O reino de Deus já estava acontecendo no meio dos homens, habitando com eles, mas com eles fora do reino. Com isso, Cristo significava que o Reino estava ao alcance de todos, podendo ser atingido se buscado e procurado por esses, contudo, não confiado por esforços, mas mediante a humilde fé (Lc: 12:32). Mas, acima de tudo, o Reino estava no meio dos homens mediante a pessoa do Filho de Deus. Em Jesus o reino anda e fala; tem-se a fiel representação da vontade e domínio de Deus feita na terra (Mt: 6:9-15).
            O dizer de Jesus deixa esboçado um duplo manifestar do Reino de Deus inteiramente diferente a concebida pelos judeus. O Reino se manifesta sob duplo aspecto: “já e ainda não”. Já, pois se manifesta no Filho, indo ao alcance de todos os homens, não sendo provocado, mas provocando, pois não deixa ao ouvinte das palavras de Jesus em nulidade. Não se decidir por Ele já é decidir-se contra Ele. “Ainda não”, porque terá o seu ápice na parousia, no julgamento repentino de Deus sobre os homens. O nosso Senhor utiliza-se de dois exemplos típicos de julgamentos no V.T: (1)- o dilúvio e (2) Sodoma e Gomorra. Contudo, Jesus salienta pessoas dentro desses exemplos típicos: Noé, Ló e sua esposa...

            Portanto, o texto se refere ao duplo aspecto desse manifestar do Reino. Para Jesus essa verdade não poderia ser oculta aos crentes fiéis, uma vez que, os cristãos genuínos procuram guardar suas palavras e anelam sua volta.
            Assim, Jesus em seu discurso, deixa como verdadeiro que o Reino de Deus só pode ser visível àquele que se torna diferente à indiferença escatológica. A clareza desta invisibilidade torna o oculto simples e óbvios àqueles que vigiam e aguardam piedosamente pela vinda de seu Salvador.
Mas, resulta paradoxal a afirmação do Reino ser visível e invisível ao mesmo tempo? A resposta é negativa. E isto pode encontrar a sua significação ao depreenderem-se duas implicações a partir da resposta de Jesus aos fariseus sobre o Reino e sua vinda que poderão lembrar os crentes quanto a essa tão ouvidada certeza:
Tem-se como primeira implicação o fato de que o cristão não olha indiferente às ‘indiferenças normais’ da vida (20ss).
            Jesus deixa claro em seu discurso que o ‘estardalhaço’ que antecederá a sua vinda é o silêncio ensurdecedor do manifestar do Reino (24). Ao mesmo tempo em que o Reino é silencioso, ele é também como o raio que corta o céu; isto é, pode ser visto! O juízo de Deus cairá sobre os homens onde quer que estejam. Assim, o juízo divino acontece em seu tempo e lugar, VV.34-37.
      Rinaldo Fabris e Bruno Maggioni comentam que, “nos círculos apocalípticos, tentava-se calcular o tempo e fixar um calendário do Reino de Deus procurando sinais premonitórios em acontecimentos extraordinários no céu ou sobre a terra: guerras, pestilências, carestias etc. Os fariseus procuravam manter viva esta esperança no povo e apressar a vinda do Reino com a observância da lei e a penitência” (“Essa geração incrédula me pede um sinal [...]” Mt: 12:39, 41, 42, 45).
           Mas, por que o Reino é silencioso? O silencio do Reino é provocativo aos ávidos por intenções triunfalistas humanas. O Evangelho não satisfaz a curiosidade religiosa dos homens que obedecem muitas vezes à necessidade de abandonarem as necessidades interiores ou substituírem o compromisso e a liberdade responsável com especulações abstratas (“ei-lo aqui...” [21,23]; I Tm: 4:1-).Evans lembra que, “noutras passagens de Lucas somos informados de que o Reino de Deus é algo que pode ser visto, e será visível por alguns dos da época de Jesus (9:27)”.
           A questão é que, a noção de Jesus acerca do Reino não tem correlação com a dos fariseus ou escribas. Jesus não compartilha da mesma concepção dos fariseus. O que implica o texto é que o Reino não virá, não pode ser visto como reino geográfico ou político. Não é uma entidade política, é poder dentro de vós (Lc. 17: 21c; Rm: 14:17).
     O Reino que Jesus apresenta é capaz de frustrar as expectativas humanas acerca de domínio dos céus (Mt: 11:12). Ao indiferente, nem o barulho lhe soará diferente. Este está tão preso aos seus deleites e planos particulares que não haverá barulho capaz de acordá-lo antes da queda. E isto é assim ao definir o indiferente no texto em questão, ele é mais bem visto como aquele que se põe diante de objetos que lhe causa maior prazer ou maior consideração, valoração.
     Portanto, a indiferença dos homens da época de Noé ou de Ló, bem como a de sua mulher, não aponta em si atitudes de pecados. Nada há de pecado em suas atividades (26,27). O que Jesus ressalta é que, aqueles homens estavam tão ocupados em seus “negócios normais desta vida” que não prestaram atenção alguma a Noé. Os homens não serão condenados por seus pecados maiores do que os dos outros, mas por seu egocentrismo extremado. O resultado foi a surpresa do iminente fim.  Paulo corrobora esse comportamento dos homens mundanos contrastando -o com o comportamento dos cristãos. Em Colossenses capítulo 3, os crentes são aqueles que não são indiferentes ao céu, tampouco à realidade da terra (Tg. 1:19-27).
   Deste modo, a vida de vigilância do crente contrasta-se com a figura de espírito da mulher de Ló. Esta mulher torna-se parente de Abraão por casar-se com Ló, seu sobrinho. Ló é justo e salvo, sua mulher se salvaria por meio dele. Essa mulher é aquela que se poderia dizer uma "quase salva". Mas estar no caminho que leva à salvação pode não significar salvação, para muitos. Os salvos são aqueles que, à semelhança de Noé e Ló, fogem do pecado e se dedicam à voz Daquele que lhes chama. Logo, é a diferença para com o modo indiferente com que o mundo se comporta que o cristão tem como alerta a vinda de Cristo e o estabelecimento definitivo de seu Reino.
           Que diferença temos apresentado perante aqueles que agem como se Deus não os haveria de julgar (Sl.53:1)?Seriam as nossas vestes, cabelos, o “evangeliquês”, o não comer isto ou aquilo? Para sermos bíblicos, não parecem ser somente essas as diferenças que Jesus nos apresenta aqui.
           Há, ainda, fundamentalmente, outra implicação acerca do ensinamento do Senhor sobre o seu Reino/Parousia. O texto esboçado alude que o cristão é aquele que decidiu viver o paradoxo existencial da cruz (32 33,37).
           Ora, a vida cristã exige do crente a “des-sublimação” do eu. O que isto quer significar? O crente deve reconhecer o seu estado de pecado e vigiar insistentemente quanto a volta de Cristo (Cl.3:1ss).
Toma-se como noção dessa realidade o exemplo negativo de Sodoma. Nesta cidade as pessoas não reconheciam seus pecados, tampouco deram ouvidos à advertência de que o julgamento de Deus estava próximo (Gn: 6,7). A partir deste exemplo, então, deve-se entender que a vinda do Filho do homem dever ser entendida não só como acontecimento repentino e inesperado, mas acompanhada de julgamento sobre a humanidade.
           Os versículos 31-36 descrevem que a primeira coisa sobre a qual Cristo instruiu seus discípulos sobre como se preparar para o tempo de provação: (1)- Jesus salienta que o momento da crise, o crente deve estar preparado. Não haverá tempo para se fazer provisão. A pessoa que correr para dentro de casa a fim apanhar objetos pessoais, seus maiores valores, não está preparada para encontrar-se com o seu Senhor. Tal indivíduo seria parecido com a mulher de Ló que olhou para trás. A mulher de Ló é exemplo: deve-se estar disposto a sacrificar tudo para salvar o essencial (Gn: 19:26, compare com Lc.12:34). (2)- O crente deve estar preparado para a separação de qualquer tipo de afeição que se lhe interponha entre ele e Deus (Lc.17:32-37). Isto porque, hás vezes, pode parecer que abandonar o que se ama dói mais do que ser abandonado pelo Amado.
  Todavia, Cristo evidencia que ser genuinamente um cristão é viver é viver a crise de ser e do ter sem medo de se ter tudo o que se é. Contudo, é, paradoxalmente não ser o que se julga ser. A maneira como o cristão se comporta, face as exigências de Cristo, pode demonstrar que nem sempre o juízo feito é verdadeiro. Pois,Jesus salienta a valoração do Reino isto é; pelo valor empregado ao Reino é onde o crente encontra o seu valor próprio.
   Daí encontrar-se entre o dilema existencial da cruz. Por quê? Por pelo menos duas razões: (a)- Ao conferir valor ao Reino, o crente descobre que não tem valor ‘por’ e ‘em si mesmo’ (Lc. 12:13-21; II Cor. 4:7). (b)- Ao conferir valor ao Reino, o crente descobre que, ao encontrar-se nu, pode ser vestido pela glória de Cristo (II Cor: 4:7; Col: 2: 9- 15, 20; 3:1-.). Eis Nele todo o seu valor (I Pe. 5:4).
  Assim, compete ao cristão seguir os exemplos de Cristo (Fl.2:5-11). Este vive o dilema da cruz, trocando a glória de Deus pela mais vil posição divina -ser homem. E foi tão homem, como nenhum homem que pudesse querer ser Deus, teria poder suficiente para ser homem. Ele desafia o crente a um mesmo dilema existencial da cruz: Como? Levando o crente a: (a)- Entender que segui-lo significa abandonar-se aos seus cuidados. Contudo, que saiba também, que não há abandono descuidado em seus braços que não implique em viver o desafio de segui-lo morrendo todos os dias (Lc: 14:28); (b)- Entender que carregar a cruz após Ele não é descuido de si mesmo, mas, exatamente o oposto, é cuidar-se de si.
 Aqui está o paradoxo do orgulho humano! O homem deve abrir mão do seu mito de divindade (Gn: 3:5) e encarnar a fé salvadora que procede de Cristo. Conforme J. Sttot, a cruz de Cristo aponta a miséria e o fracasso do homem na tentativa de ‘ser’ Deus. É irônico que o homem que nem mesmo conseguiu ‘ser’ o que foi criado para ser (Ef: 4:13), queira ser o que nunca foi criado para ser (Gn: 3:5). Ao negar-se a si mesmo, o crente encontra a sua própria razão de existir: existir para Deus. Em Lucas 17: 34 e 35 têm a repetição da idéia do capítulo 14:26-36: Jesus exige daqueles que o querem seguir a prioridade de seu viver.
         O dr Shedd, sabiamente em seu livro “a teologia do disperdício”, a comentar a parábola da pérola de grande valor, relembra o seu saudoso amigo Jim Elliot, morto pelos Aucas, repetindo-lhe as palavras: Não é tolo quem larga mão do que não pode segurar, para pegar firme no que não pode perder”. É disso que Jesus fala.  A vinda de Cristo não será surpresa para aquele que suspira os valores do céu. Que não espera rios de cristais, ruas de ouro, assentar-se à direita de Cristo (Mt.20:21). Pois, todas essas coisas nada mais são do que a projeção humana de seus valores, uma vez que os valores divinos em nada se assemelham aos dos homens (Jo. 5:41, 44; 7:18; 12: 43). O homem centrado em si mesmo se perderá; o crente firmado em Deus, se salvará. Tudo o quanto o crente quer quando pensa no céu se chama Jesus Cristo!
  Observe que Jesus menciona que aquele que volta para buscar algo em casa, que põe em algo o seu coração é exatamente o indiferente. Não seria esse semelhante ao povo de Sodoma, aos ouvintes da pregação de Noé ou como a mulher de Ló, cujos valores eram tão vis?
  O versículo 33 deste capítulo, arrostado ao Evangelho de Mateus, deixa bem claras as condições para se pertencer ao Reino de Deus. Nele implícita-se o perder a vida por causa de Cristo (“por minha causa”). Significa dizer que no Reino, o crente já não mais vive para si, mas para Cristo. Álvaro Cezar Pestana chama a isso de Renúncia. A sua análise do texto significa que “é o compromisso com Jesus que transforma a renúncia em posse eterna”. Assim, não é difícil lembrar das palavras paulinas em Filipenses 1:21ss ou 3:7-11.
  A autopreservação pode prolongar nossa existência, mas nunca pode dar-nos vida! Não são poucas vezes que choramos as perdas e que as lágrimas nos impedem de vermos aquilo que jamais perdemos. Choramos as perdas e não vemos o quão fútil era aquilo que agarrávamos tão firmemente em nossas mãos. De manipuladores dessas coisas, tornamo-nos manipulados por elas. É só com o enxugar das lágrimas que enxergamos o quanto nos custou caro agarramo-nos à coisas tão insustentáveis e pobres. Daí, que descobrimos que chorávamos por nada. Chorávamos semelhantes à crianças que se recusam a tomar remédio por não agradar-lhes ao paladar, sem saber que com isso poderá adoecer fatalmente. Ela preferirá, por imaturidade, a bala ao que lhe curará. Assim, também nós agimos se não soubermos reconhecer o valor do Reino de Deus, tornando-nos indiferentes ao ensurdecedor silêncio do manifestar do Reino de Deus, só porque amamos mais os barulhos silenciosos do egocentrismo.
  Assisti certa feita, num documentário sobre animais, como determinada tribo africana pegava Babuínos sagrados. Com um buraco num tronco de árvore, o homem, depois de fazer questão que o macaco lhe visse, colocava dentro umas sementes apreciadas pelo animal. Feito isso, o homem punha-se de longe à expiar. O macaco, curioso como ninguém, logo se aproximava do buraco e tentava tirar de lá as preciosas sementes. Segurava-as fortemente. Ao ver o homem se aproximar dele, mais forte segurava as sementes e gritava.
  Fato é que, com os punhos fechados suas mãos não poderiam ser retiradas de dentro do buraco e, deste modo, era apanhado.   
  Não se dá do mesmo modo com muito cristãos hoje? Perdem-se porque nunca quiseram abrir mão de míseras sementes brotadas do solo deste mundo, tornando-se, assim, também indiferentes ao visível manifestar silencioso do Reino de Cristo?
  Que Deus nos ajude a entendermos estas verdades bíblicas tão preciosas.

Eliandro da Costa Cordeiro

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