segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Quando 'não-ser' é melhor do que 'ser': a humildade na vida de João Batista








Uma reflexão do SER-Não-SER a partir da vida de João Batista  em Jo.1:15-27,32-37.


    
Reconhecer-se e aceitar-se como se é, firmemente, sob a oportunidade de expor-se como alguém cuja oportunidade parece vantajosa, exige do indivíduo humildade. Esta, além de ser o ambiente onde a alma habita confortável (pois é segura de quem se é), é também aquela virtude que esmorece a inveja abrindo-nos os olhos para o reconhecimento das virtudes alheias.
     Ora, ser identificado como ‘ninguém’ não agrada ao ego humano. Aliás, é absolutamente contraditório dizer que alguém não é ninguém. Alguém sempre será alguém, mesmo sob título de “ninguém”! Quiçá esta seja uma cicatriz que a graça de Deus imprimiu na alma do homem depois do pecado. Apesar de tudo, o homem, que já não é mais quem deveria ser, ainda permanece com o insofismável caráter ontológico do ser.
     Fato é que, muito mais do que uma questão de zelo pelo nome, desejar ser reconhecido como alguém que nos traz alguma espécie de vantagens é herança da queda. É legado de nosso pai Adão. Almejamos, por natureza, ocupar uma posição de 'sucesso'. Tal qual Adão, ser ou possuir aquilo que não somos ou queremos.
    Prima facie, desejamos o 'não-ser' apenas quando o 'ser' nos impõe um certo desconforto em sê-lo. 'Ser' inútil, pequeno, feio, medíocre, por exemplo, não temos dificuldades em negar que somos.
     Contraditoriamente, aquelas pessoas que corajosamente dizem 'não-ser' algo ou alguém e abre mão das vantagens que poderia obter se aceitasse ser o que não se é, impõe-se como factualmente alguém que 'é'. Melhor dizendo, ao recusarem ser o que os outros querem que elas sejam, firmam seus valores, virtudes e caráter. Elas não são aquilo que desejamos que sejam, todavia, são aquilo que, muitas vezes, não desejamos.
     É preciso ter coragem de implosão psíquica e recalcada, lá no fundo da alma, para aceitar quem se é com coragem e prazer. E João Batista é um exemplo de alguém que diz 'não-ser' e, por isso foi quem foi. Entre coragem, tosqueza e resolução na maneira pela qual encarava a vida, sua humildade lhe coloca em posição de cordeiro.
    O Batista inicia o seu ministério antes de Jesus, entende sua missão e sem orgulho diante da possibilidade de ser alguém que, sem dúvida alguma, poderia acalentar com uma falsa esperança aos corações mais miseráveis e aflitos, diz que NÃO É. “Eu não sou o messias”, diz João.
     Se João Batista negava ser o Cristo que as autoridades religiosas esperavam ser, quem era ele, então? Por que ele parece ser alguém segundo a expectativa da maioria dos judeus? Ele não parece se importar em frustrar as expectativas acerca de sua pessoa, mas se motivou em afirmar-se como o João Batista através de sua negação de ser o Cristo esperado. Ele era a voz (Is. 40:3), o amigo do noivo ( Jo. 3:25- ), simplesmente “aquele que não era” digno (Jo.1:27) ou aquele que ‘não era’ o Primeiro (Jo. 1: 30). João tem que responder a dúvida daqueles que não sabem quem esse é. Ele não parece se importar em não deixar o deserto, nem sair do anonimato e se mostrar ao público. O seu lugar é em não-ser Aquele que os outros gostariam que ele fosse.
     Por que numa oportunidade como essa ele ‘apresenta’ o primo Jesus e se ofusca, tal qual as estrelas ante o sol? Talvez porque, para esse profeta, o seu motivo existencial se encontrara no fato de 'não-ser' aquele que todos desejavam que fosse. Era negar-se quem não se era para ser quem foi- apenas a voz!
     Ora, podemos nos perguntar a importância deste profeta no ministério de nosso Salvador. O evangelho de João apresenta inúmeras vezes Jesus como o “Eu Sou”. Este Eu Sou está imbricado de proposições teológicas acerca do Salvador e o seu relacionamento com o Pai. Deste relacionamento, João Batista tinha apenas a função de ampliar o caminho para o Grande Eu Sou entrar e esmaecer o ego dos corações dos homens.
    Muitos de nós, opostamente a João Batista, nos entristecemos por não sermos como alguém famoso ou aquela pessoa cuja as expectativas dos outros nos cobram. Não- ser o famoso, o mais inteligente, o mais bonito ou o melhor dentre os outros pode entristecer a muitos servos de Deus.
     Às vezes criamos e introjetamos na alma uma imagem que não é a verdadeira. Ela nos fora imposta pela sociedade, pelo grupo de amigos e, até mesmo, a família. Sabemos que não é a imagem que deus projetou em nós. Mas, como aceitarmos o duro 'não-ser' e ostentá-lo fazendo dele motivo de alegria?   
    João Batista foi alguns meses mais velhos do que o seu primo Jesus. Desde cedo soube o seu lugar dentre os parentes: a voz do deserto. Desde logo soube o seu lugar entre a sociedade e a missão de deus: a voz que clama no deserto. Todavia, o próprio Senhor Jesus reconhecer que ninguém que tenha sido antes de João foi maior do que ele, que não-era o que os outros gostariam que ele fosse. Ao que parece, Não-ser exige muito daquilo que somos!
    Se nos encontramos sob forte exigência de uma representação de identidade que não a nossa, ou cobrados por não sermos o que muitos exigem que sejamos, aprendamos com João batista quando não-ser é melhor do que ser:
    Não-ser é melhor do que ser quando reconhecemos que o nosso papel é fazer o outro 'SER' o que ainda  'NÃO É' (15, 26,27, 29).
    Não-ser não significa que não se é aquele que se deve ser. João Batista sabia o seu papel: era a voz. Voz não se vê, apenas se ouve. João negou ser o Cristo, mas não negou ser a voz. Ele só não era aquilo que a religião ou as autoridades gostariam que ele fosse. Não negou ser profeta ou mesmo aquele que cumpre o que está escrito no livro do profeta Isaías no capítulo quarenta e cinco. Não poderia negar que era algo. Negou ser o que os homens gostariam que ele fosse. O não-ser de João, o Batista, só o era em relação a Cristo.  Ele não poderia esperar ser nada além do que foi.
    Negar ser foi fundamental para que Jesus resplandecesse como o “EU SOU”. Não há inveja acerca do primo Jesus, mas entendimento do seu lugar e papel na vida do Messias. Também não há inveja neste homem. Ele sabe que a sua razão de ser é fazer com que Cristo Jesus aparecesse mais do que ele.
    Que lição temos aqui! A inveja não permite ao homem considerar o outro melhor, superior a si. “Se não lhe posso ser superior ou igual, que ele também não seja…” é este o grito de nossa alma dominada pela soberba e egoísmo. Mas não é isso que João pensa. Ele Sabe que nunca será como Jesus (Jo.1:27); sabe que não nasceu para ser o Cristo.A verdade é que J.B. viu no 'não -ser' o seu motivo para ser: “Eu não sou […] Esse é […].”
    Jesus, conforme o Evangelho de João, estava iniciando o seu ministério e agrupando os seus discípulos. Quem o conhecia? João Batista se encarrega de tal apresentação. E não só o lança à luz como também lhe entrega seus próprios discípulos (Jo.1:37). Se J.B. Buscasse ser mais do que a voz, do que o amigo do noivo, deixaria de Ser o admirável homem que foi, buscando-o SER.
    Ora, resulta-nos claro a verdade de que, quando se busca glorificar a Cristo ou deixar que o irmão 'seja' ou ajudamos a ser, não correremos o risco de sermos menos do que aquilo que Deus nos chamou para ser. Nosso irmão não é o nosso adversário ou concorrente. Ele não é aquilo que devemos ser. Ele é o que é, assim como nós somos quem somos- únicos!
    A pergunta que a autoridade judaica ouviu não foi aquilo que esperava. João sabe quem é e não deseja ser aquilo que não é. Não tem inveja de uma projeção errada, ou uma imagem roubada. Ele quer a sua imagem própria: ele é o amigo do noivo. A festa não é dele.
    Assim, se aprende que quando sabemos quem somos, não seremos invejosos quanto ao que os outros são ( 26,27, 29-31): 
    J.B. era um homem a par do significado do 'Não – Ser'. O que se vê na figura desse homem não é um homem tímido, encurralado, complexado ou em crise de existência. Em 'não-ser' ele encontrara a sua mais genuína forma de ser João Batista. É entender o porquê do deserto em que se cresce, da mensagem que prega, do modo como nasceu e futuro que o aguarda.
    Este profeta. não aceita a proposta de deixar de ser quem é para de fato ser aquilo para o qual não nasceu para ser.  Afirma veementemente 'não sou' por várias vezes. Não ser para ele não é mesquinhez de alma, não é negar a fé, antes, é assumir que é: Eu sou a voz! E como já não bastara ser apenas a voz, era a voz do deserto. Já pensou o que é uma voz no deserto?  E, além disso, o verbo clamar (kραζω, gr.perf.) retrata os efeitos ressonantes da voz, ou seja- eco. João não era simplesmente uma voz; ele era um eco! Talvez isto faça referência aos profetas que vieram antes dele, uma vez que ele foi o último destes.
     O profeta sabe que não se faz para ser, mas porque se é é que se faz (3: 25-30).Este fato lembra quando os seus discípulos viram em Cristo um concorrente com grande êxito, mas seu mestre viu no sucesso de Jesus a sua satisfação “[...] que Ele cresça […]”, disse João Batista.
    Oh, que satisfação e contentamento teríamos se tudo o quanto desejássemos fosse apenas ser aquilo quem Deus nos chamou para ser. Se deixássemos Jesus ser o nosso Eu Sou. Se ser apenas a voz fosse a nossa satisfação pouparíamos imenso sofrimento e frustrações.
    Fato é que, se aprende com o primo de Jesus que, quando entendemos o nosso lugar não aproveitaremos a oportunidade errada para ser o que não somos (20, 21,22, 27).
     Embora o que se acaba de afirmar, agora, pareça ser a afirmação anterior, não podem ser consideradas as mesmas. Uma coisa é saber quem se é, outra é saber quem se é e se portar como tal. Isto é facilmente observado no Batista. João Batista sabia sua posição. “Tu és o Cristo? O profeta? Elias? Ele disse não sou. Disse o seu lugar: depois Dele, embora eu vá à sua frente só o vou porque devo limpar-lhe o caminho […]” (cf.23). É necessário vencer a idéia de que, ser sempre alguém é sempre melhor do que ser aquele que somos. Exceto os pecados e falhas nossas, devemos agradecer a Deus por sermos quem Ele nos fez ser (pela graça de Deus (ICor.15:10).
     Os Escribas e Fariseus questionaram a J.B. se ao menos ele era Elias ou o profeta; i.e: “se não podes ser o Cristo que seja ao menos o profeta, que tenha um nome (Elias), mas voz não é ser!” Ledo engano. João Batista foi honrado exatamente porque quis ser, tão somente, a voz. Embora não vista, pode ser ouvida.
     Negar a oportunidade de deixar o orgulho brilhar exige confissão. O Evangelho de João menciona que J.B. confessou e não negou. Fritz Rienecker elucida que a confissão de J.B. se refere aos termos concordar e negar (ωμoλoγήσεν e ήρνήσατo). O primeiro termo marca a rápida dedicação do testemunho, o segundo, quão completo ele era. Quer dizer: os dois termos juntos indicam “ele declarou sem qualquer qualificação, afirmando”.
    Sabemos que, quando alguém está convicto de que os seus companheiros lhe são inferiores, não lhe é difícil aceitar um lugar humilde; não há motivo para ciúmes. O teste vem quando se é obrigado a se comparar com alguém que possui talentos evidentemente superiores. Surgem então conflitos e ciúmes.
    Quantos de nós rejeitamos a idéia de que um colega é mais inteligente do que nós ou mais talentoso? Preferimos descê-lo à nossa estatura a elevá-lo ainda mais. “Aliás, por que elevá-lo se eu mesmo continuo aqui? Pensa nossa mente longe da virtude cristã”. Ao nosso ser que não aceita ser quem se é, as Escrituras salientam: considere os outros superiores a si mesmo (Fl.2:3). E isto porque quando se descobre quem se é, não queremos ser o que os outros são, reconhecendo o que, talvez, nunca seremos.
    João Batista não era Elias ou Jeremias (Ml.4:5), muito menos o Messias. Ele era tão somente a voz do deserto. Ele era o “câmera-man” e não a personagem principal. O câmera-man não é notado, mas faz com que a personagem principal o seja.
    Aquele que sempre deve ser em nossas vidas é Cristo. Depois disto, eu só poderei ser exatamente quem eu devo ser; isto é, feliz com quem não-sou, porque só Nele é que Sou.

Só Cristo

                                                                                                                                           Eliandro da Costa Cordeiro

Um comentário:

cozinhar é amar disse...

O Sr. diz para lermos a Biblia mas investir alguns minutoa lendo os artigos aqui do seu blog somos alimentados também