domingo, 25 de dezembro de 2011

Davi, Absalão e Michael Jackson :Uma leitura anacrônica de II Sm. 13- 18.

                Não pensei que a morte do “rei do pop”, Michael Jackson, pudesse mexer comigo. Expurguei de minha razão todo o sensacionalismo da mídia a fim de poder conhecer e ler, ainda que embaçada e distante, a história do pobre homem rico, cheio de amigos e solitário, com síndrome de 'Peter Pan' (o menino que não envelhecia).

Entendendo a história bíblica:
              A História de Michael oportuniza ao crente a lembrança bíblica acerca da presença de um pai que anda nos caminhos do Senhor. A lembrança bíblica que não escondeu a família do rei Davi.
Ora, a Bíblia Sagrada não esconde os desajustes e faltas de profetas, reis e heróis. Aliás, os heróis bíblicos nos lembram que só os são devido a graça de Deus que os ajuda a superar as tragédias, falhas e pecados na vida. Não é admirável que nos aproximemos de Davi exatamente quando ele, nas narrativas bíblicas, depois de pecar, se abre e se derrama diante de Deus?As Escrituras apontam que Davi foi um ótimo rei, ótimo estrategista, mas um pai cujo exemplo deixou a desejar.  Ele teve que colher os frutos resultantes dos pecados que cometeu.
Talvez, o que mais lhe adoeceu o coração tenha sido a morte de seu terceiro filho, Absalão. Este se revolta quando o seu meio irmão, Amnom, violenta a irmã Tamar. Absalão espera uma atitude de seu pai, o rei Davi, mas este se cala e nada faz para disciplinar o seu filho primogênito. Absalão oferece um banquete em casa e convida os familiares, chama o pai, mas este se ausenta. Absalão pede a presença do meio irmão, o pai concede. Horas depois, o pai recebe a notícia do fratricídio: Absalão matou Amnom. Se por interesse de substituí-lo no trono, não se sabe, mas a desgraça está feita na casa de Davi. Absalão foge para a casa de seu avô (II Sm. 13:37) e lá fica por três anos!
Depois destes anos, Davi recebe o filho de volta, mas nada faz para se reaproximarem, senão, dar-lhe um “beijinho” e mandá-lo embora. A partir de então, vê-se um Absalão revoltado, obsecado por poder cujo pai está longe de lhe ser modelo, mas sim, um rei, cujo ser é capaz de causar ao jovem rebelde aversão.
            Longe de centelhar semelhanças entre Absalão e Michael Jackson, Davi e os Jacksons, ambas as famílias chamam-nos a atenção para a realidade de que o pai é o elemento fundamental na vida do filho. Seja o pai sensato ou não, prudente ou não, temente a Deus ou não, não está excluso de servir de referencial aos filhos. Mas que tipo de exemplo pode-se anacronizar entre a família de Davi e a dos Jacksons?
O que Deus nos quer ensinar?
Ele bem pode nos ensinar que, Excesso de disciplina e rigidez sem manifestação de 'amor presente' ao invés de gerar maturidade, valores, caráter e sucesso pessoal na vida do filho, podem produzir afecções negativas e  perda de referencial para a formação de um homem maduro e seguro.
         Há algumas lições presentes entre ambos, ainda que encontrados em caminhos tão diversos. Podem-se elencar algumas, a fim de evitarmos os erros em nossos lares:

          1- Ninguém disciplina filhos afastando-os de si, mas aproximando e exortando-os com amor (II Sm. 13. 37- , 14.1ss; 14:24;  I Sm. 2.25; I Rs 1:6;Ml. 4:6; Cl.3:21; I Jo. 2:13):

            Absalão passa três anos com os avós e, quando retorna para casa ( devido aos esforços de Joabe, amigo de seu pai), o melhor que o seu pai lhe pode fazer, é beijar-lhe a face.  O rei demonstra rigidez perante o rapaz, mas rigidez não é disciplina. Absalão está perto de Davi, mas não junto ao pai. Seria como dizer: “more aqui, mas não converse comigo!” (II Sm. 14. 24,28- 33) .
            Absalão acha a distância do pai punição pesada demais, talvez ( II Sm. 14:33). O rapaz diz preferir a morte a não falar com o pai!  Absalão não tinha pai. Pai ausente e rígido não é pai; é delegado. A ausência de Davi junto ao filho permitiu que este se tornasse, ao invés de amigo, um rival (Êx. 20.12). 
Mas, por que este episódio lembra a Michael Jackson? O cantor disse que o seu pai mal parava em casa e, quando estava, apenas exigia aos filhos que ensaiassem incansavelmente os passos de danças e as músicas para os, ainda, pequenos shows. O pai de Michael Jackson era violento e o batia no rosto todos os dias dizendo: “você é feio como um macaco”.  Michael Jackson confessou em entrevista que sentia náuseas ao ver o pai. Não. Davi nunca denegriu o filho Absalão. Nunca exigiu ensaios, nunca lhe improperou maldições. Aliás, nunca disse nada. Davi era ocupado demais para gastar tempo com os filhos. Davi era rei e os seus filhos... eram só filhos!
            Contudo, se anteciparmos o drama familiar de Davi, descobriremos que um pai peca quando não exerce o papel o qual deve realizar dentro de casa.

2- O pai não é o rei do lar; é o sacerdote (II Sm. 14:25 ss; Jó 1:1-22; Ef.5, 6):
            Um filho não pode fazer cerimônia diante do seu pai. Contudo, Absalão quando se apresenta a Davi no palácio, parece estar diante de um rei e não diante de seu pai. Onde está o coração do homem que é considerado um homem segundo o coração de Deus?  É triste quando um filho não se sente à vontade com seu pai, antes, vê nele alguém cuja posição e caráter são inatingíveis. Davi pôs o seu trono alto demais para Absalão. O seu colo está alto demais para o filho. Talvez, isso estimulou o filho a lutar doentemente por ele.  O afago que recebeu do pai é o “beijinho, beijinho, bye bye”!O rei mais uma vez adia a solução do problema com o filho. Não há diálogo. Absalão está perante o rei de Israel. Aquele que derrubou o Gigante Golias, mas que não consegue derrubar a indiferença e a parede que existe entre ele e o seu filho Absalão.
Caio Fábio, num de seus livros, lembra que “Absalão tinha tudo! Mas, só o que ele queria era um pai. Não era um rei que Absalão queria, mas um pai. Não era de um general invencível de que Absalão carecia, mas de um pai. Não era de um homem que resolvia os problemas do mundo de que Absalão necessitava, mas de um pai que fosse capaz de ouvir uma angústia do filho.”
Nem sempre os filhos procurarão nos pais a imagem de heróis. Às vezes, tudo o que querem é que eles sejam homens, gente que sofre, sente dor, mas que, os amem.
            A cena que a Bíblia apresenta no palácio real, remonta uma das declarações de Michael Jackson acerca de seu relacionamento familiar. Segundo ele, nunca pôde se assentar à mesa com os pais, tomar leite com biscoitos e dormir ouvindo histórias contadas pelos pais. Não é uma declaração romântica desse cantor; é carência, frustração. Quando o garoto Michael se viu “adulto” e capaz de “recuperar o tempo perdido”, abandonou a vida adulta para viver a infância perdida. Segundo ele, o mundo não entendeu (e o acusou de pedófilo).
            Novamente, que aproximação pode haver entre Absalão e Jackson? O que um viveu no palácio e outro em Gary, Indiana? Viveram a indiferença dos pais.

3- A atitude de indiferença do pai pode criar no filho uma referência invertida de poder e realização na vida (II Sm. 15.1ss):
            Depois de os “beijinhos” recebidos do pai, Absalão sai resoluto em roubar-lhe o trono. Quando ele sai da presença de Davi, parece entender que não esteve diante do pai, mas de um rei, de um guerreiro, um rival!!  Fato é que, a vara que Davi poupou a Amnom, vira espada nas mãos de Absalão (Pv. 13:24; 22:15; 23:14; 29:15).
            Davi cria um filho com a capacidade de nutrir-lhe aversão. O psicanalista Freud chamaria esta aversão de um extremo complexo de Édipo (mas sem a mãe na disputa!).  Absalão não tem chances de ver virtudes no pai, e agora, de longe, como numa visão panorâmica de uma grande cidade vista do alto, só pode ver as fraquezas do pai (II Sm: 15). Absalão quer ser rei a qualquer custo, mesmo que o rei a ser destituído seja o seu próprio pai.  Por que isso acontece com o filho do rei?
Ora, se um pai prioriza mais o reino, o trabalho, do que a família, soará aos filhos que este reino é mais valioso do que a sua casa, bem como, as relações pessoais. Davi não desceu do trono para punir Amnom, não desceu do trono para buscar Tamar na casa de Absalão depois dela ter sido humilhada por Amnom (II Sm. 13:20-22). Absalão passa a correr numa desenfreada busca por poder achando que isso é tudo na vida. É uma imagem invertida de paternidade e poder, pois, quem seria capaz de procurar matar o próprio pai?
Novamente, em que se compara Michael Jackson a Absalão?  Todos os castigos infringidos no cantor, pelo pai, quando errava um passe no show, todos os dias em que o pai chegava em casa, tarde do trabalho e, ao invés dos carinhos, o que se tinha eram socos e ensaios incansáveis em busca de perfeição, não é um demonstrativo de que deve haver algo na vida mais importante do que o lar ou o caráter?  
Quando Michael cresce, se torna rico e independente, abandona a família ( Ec. 5.8-20;I Tm.5.4,8), cria resistência ao pai e procura a todo o custo ter realização na vida, ora se portando como eterna criança, ora fazendo uso do poder que herdou da fama (Ec.7.1;9.1ss).
À semelhança de Absalão, Michael Jackson cria uma 'referência invertida' de pai e, conseqüentemente, projeta no seu mundo o mundo de seu pai. Um mundo onde só se respeita a reis, e aparências (II Sm 14:25-27). Não é por nada que se importa tanto em mudar a sua cor negra e seu “nariz largo” e, há que diga que, fez mais de cinqüenta plásticas faciais sob pena de dores e usos de remédios para amenizá-las (Jr.13.23).
            Não se quer forçar demais a comparação entre estas duas personagens, mas, tão somente, apontar o papel de um pai na vida do filho. Davi descobriu tarde demais que nenhum sucesso na vida compensa o fracasso no lar. O rei ganha a batalha, mas perde o filho. Não pôde salvar-se do próprio filho. Quando soube da morte de Absalão chorou amargamente dizendo “Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão [...]” (II Sm. 18:33). Pena o moço nunca ter ouvido isso em vida! Pena nunca ter lembrado, em vida, que Davi lhe era pai, antes de ser rei! Mas uma vez, recorda-se, também, a ausência de palavras de carinhos paternos ao cantor Michael Jackson. Agora, quando morto (se sincero, não se sabe), o pai jura-lhe amor e admiração. Tarde demais (Ec.3.2,4,8)!
            Absalão e Michael Jackson entenderam que, na vida, a única maneira de não serem esquecidos é imortalizando as suas imagens em 'pedras expostas' à admiração dos homens (II Sm.18.18) que semelhantes a eles, cultivam os mesmos amores pelo poder ( II Sm. 14. 25; 15. 1-6). Absalão constrói um túmulo ainda em vida e Michael constrói Neverland, plásticas e músicas as quais procurou imortalizar na memória dos fãs ( Pv.22.1).
            Recusaram-se a crescer e morreram velhos em corpos de moços. Absalão é o menino que não recebeu atenção devida do pai e Michael é o garoto que sofreu com a violência e indiferença do pai. Ambos se assemelham na oportunidade que a vida lhes dá (Ec.9.1-10): crescem, exercem influência e, a seu modo, podem mostrar para o pai que venceram (vitória inglória).
            Talvez seja exagerada a aproximação de duas personagens tão distantes no tempo, mas não se pode negar que ambas revelam o que ocorrem em muitos lares atualmente. A Bíblia nos oferece inúmeras recomendações acerca do cuidado que os pais devem ter na criação dos filhos.  Os pais estão diretamente ligados à formação pessoal, psicológica e emocional da família. Paulo apresenta que a formação dos filhos depende da ação prudente e compreensiva dos pais para a construção difícil e confusa, ainda, dos filhos. Estes devem ser respeitados em suas etapas e imaturidade (Ef. 5 -6). Não lhes exigindo nada que os próprios pais não sejam diante de Deus (Sl. 127, 128; At. 10.2; I Tm.3.4). Se os filhos devem obedecer aos pais no Senhor, estes devem admoestar os filhos na admoestação do Senhor (Ef. 6.1-4).  A tarefa de disciplinar, educar e ensinar as Escrituras é impreterivelmente delegada aos pais (Dt.6.6-9;8.5;Pv.1.8; 23.13; Ef.6.4; I. Tm 3.4; II Tm.1.5).
            As mortes de Absalão e Jackson nos fazem voltar os olhos para dentro de nossas casas e refletirmos que tipo de pais temos sido. Será que os valores que nossos filhos desejam de nós é a mesada? A herança? Memoriais erguidos em mármores frios de um relacionamento familiar morto?   Somos pais amorosos ou reis déspotas sobre os nossos filhos?  Ensinou seu filho a pedir perdão quando, humildemente, pediu-lhes perdão mostrando que os pais também erram? 
Não estamos incólumes das tragédias da vida (Mt. 7:24-27), mas estamos salvos de esboroarmos de culpas. O trono de Davi, o fato de ser homem segundo o coração de Deus, o dinheiro (Ec.3.9;4.6,8) e fama de Michael Jackson, não os livraram da tragédia familiar. Não devíamos nós, jogar mais 'bolinhas de gudes' com nossos filhos, beijá-los e mantê-los bem perto de nós enquanto podemos abraçá-los e cabem em nossos abraços?Tudo o que podemos fazer pelos filhos façamos agora! O amor presente, a disciplina e o respeito não custam dinheiro. No entanto, valem mais do que ele (II Sm.18.33).

Para você refletir:
Como devo aplicar esta Palavra à minha vida?
1- Quanto tempo faz que você não ora com o filho ou realiza um culto doméstico?
2- Qual história bíblica o seu filho mais gosta de lhe ouvir contar para ele?
3- Qual foi a última vez em que brincou ou bateu um “papo cabeça” com o filho?
4- Como você relaciona Deus e família?
5- Busca melhorar todos os dias e sente-se triste quando percebe falhas e observa erros no seu relacionamento com o lar?
6- O que prioriza na vida? Seu filho deseja o mesmo?


Sola Scripturae
Eliandro da Costa Cordeiro SPR-Cne

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