sábado, 24 de dezembro de 2011

A Palavra do Senhor: Uma leitura do chamado de Jeremias (Jr.1:1ss) como representação dos 46 anos do SPR-Cne.

A Palavra de Deus evoca a si própria a responsabilidade de ser a modalidade da Revelação divina. As razões assistidas nesta proposição se verificam nos fatos de que a Palavra é cabível em qualquer realidade/contexto, é a abalizadora da capacidade do profeta que a proclama, bem como, é poderosa em propósito.
Nenhum livro foi capaz de transformar tanto o rumo da história como a Bíblia Sagrada. A sua leitura converteu Agostinho e Lutero (foi através da leitura de Romanos que Lutero teve os seus olhos abertos e descobriu a verdadeira justiça de Deus. Daí dizer: “a minha mente é prisioneira da Palavra de Deus”).
É essa Palavra poderosa que vai ao encontro de Jeremias. É ele mesmo quem conta o ocorrido. O capítulo um trata de sua autobiografia, o seu chamado. Embora o seu chamado não tenha ocorrido como o de Isaías ou de qualquer outro profeta, ele é plenamente cônscio desse chamado. Talvez desde pequeno, pois, segundo estudiosos do Velho Testamento, o profeta convivera entre sacerdotes e profetas. Aliás, era filho de sacerdote.
O seu chamado vem num período difícil e é sabedor das dificuldades de pregar o juízo e a esperança aos remanescentes de Israel. Sua mensagem não coadunaria com as dos outros profetas e sacerdotes daquela época (4:9; 5:13; 8:10; 27:9; Lm: 2:14; 4:13). Como não temer levantar a Voz do Senhor num ambiente onde se profetizava a mentira como se fosse a verdade de Deus? O que Deus procura levar Jeremias a entender? Por que não temer?
A missão de Jeremias remete-nos à realidade da necessidade de homens de Deus que sejam homens da Palavra. Basta de tanta palavra de homens! A Igreja contemporânea espera por homens que, sob o poder da Palavra de Deus, entreguem a sua mocidade à dedicação e pregação da Verdade.
É nesta perspectiva que se compara os 46 anos do SPR-Cne com o relacionamento de Jeremias com Deus e com o seu povo. Pois, neste lugar não se ensina outra coisa, senão que: a Palavra de Deus é cabível em qualquer realidade/contexto; é ela quem capacita o homem de Deus (o seminário procura apenas fornecer as ferramentas para a utilização deste poder); o caráter de quem a vive não é o de proveito próprio, mas ser útil ao propósito para o qual foi chamado.
Deste modo, cada momento no chamado do profeta Jeremias é que se procura infundir no ambiente acadêmico da “casa de profetas”. O mundo atual exige de cada chamado uma postura desafiadora, tal qual viveu Jeremias. Assim como este profeta que prega a partir do que vê e experimenta do Poder da Palavra (Jr.1:11-12), o SPR coaduna a visão diante de si com a fidelidade da Palavra de Deus. É esta quem de fato faz o profeta (jr.1:5) e, não o seminário, conforme já entendido.


O chamado de Jeremias e o seu aspecto comprometedor aos 46 anos de existência do SPR-Cne:
O que torna a Palavra de Deus sempre propícia à cada necessidade e circunstância é o fato de que, antes de agir no coração de seus ouvintes, ela age no coração de seu “primeiro ouvinte; isto é, o profeta. Ela torna ‘passivo’ aquele que deverá torná-la ativa a fim de promover as transformações visadas.
Jeremias, inflado pelas profecias e vida do profeta Oséias, tem muito a dizer à sua própria geração. Fato é que, a Palavra de Deus, através de Oséias prendeu particular atenção a Jeremias. Assim, o próprio profeta, como fruto de sua época, é passivo à realidade de Uma Palavra que, antes de estar em seus lábios, através de seus ouvidos, fecundou-lhe o coração.
A Palavra tem um contexto. Antes de ser Aquela que conhece e diz do futuro, conhece e diz do presente. O homem Jeremias e a Palavra de Deus estavam em completa unidade, sob circunstâncias tão trágicas. Ora, o Homem/Profeta não pode estar separado daquilo que profetisa.
Observe a linguagem com a qual Deus se utiliza para falar com o profeta. Onde estava cada objeto utilizado? São árvore, panela no fogão, construções... Coisas nada difíceis de compreender, mas que foram tonificadas pela veracidade da Palavra.
Aqui está o lugar da Palavra: a linguagem. A Palavra é linguagem; i.é: o povo compreende. Não é gramática, é linguagem universal subjetivada quando aplicada à realidade. Se fosse símbolo, não seria universal, haja vista que, poderia ser lido culturalmente etc. Não é símbolo, mas se usa símbolo: figueira, fogo e panela. O que torna significativa a linguagem é, não a voz que a proclama, mas Deus quem a ordena!
Assim, para o profeta, a Palavra de Deus, enquanto linguagem, é VISÃO ( panela, fogo, marreta, árvore, muro, bronze, fortaleza). O poder não está nas coisas que se vê, mas na Palavra que dá o significado às coisas. Quer-se dizer com isto que o profeta, assim como as coisas da linguagem, era apenas o objeto da Verdade expressa, e não, a própria Verdade.
A Palavra de Deus É a abalizadora da capacidade do profeta e não o contrário (4-9). Não é o profeta que dá poder à Palavra, mas a Palavra que dá capacidade a esse (6). Eis um dos motivos do por que o pedido de Jeremias para que não profetizasse foi rejeitado. “Ah, Senhor Jeová […]” não é interjeição, mas pedido sincero de adiamento, como se estivesse dizendo: “Não será possível esperar até que eu saiba falar com sabedoria e a autoridade que os anos autorizam?” (Ver Êx. 4: 10-16).
Jeremias precisava entender que não estava sendo chamado porque sabia rebuscar palavras ou idéias certas. Esse jovem não estava sendo chamado porque era experiente, mas devido à vontade santa de Jeová. Logo, ser chamado não é apenas responsabilidade impreterível, mas também, graça admitida.
Por que chamou a Jeremias? Pelo fato de que chamado não repousa sobre a capacidade daquele a quem Deus chama, mas sobre Sua Soberania (5). A autoridade de Jeremias não provinha de sua posição ou ‘manipulações das coisas espirituais’. Que capacidade teria esse profeta antes mesmo de ter nascido? O que tinha para que chamasse a atenção de Deus? O versículo cinco significa que Jeremias vivia na mente divina, conhecida de antemão e eleita, mas não como entidade separada da mente divina (Ver. Gl.1:15; Lc. 1:15).
Portanto, nada havia de acidental na vida do profeta. O sucesso de sua missão seria decorrência de sua fidelidade à Palavra pregada (17), e esta, pregada fielmente seria o sucesso pessoal de Jeremias.
Embora com muito sofrimento, o ministério de Jeremias lograria êxito devido ao próprio propósito da Palavra pregada (10-19). Se a Palavra é real em qualquer história, é soberana na escolha do profeta, ela só pode ser poderosa em propósito. Pois é devido ao propósito que ela torna-se sempre atual, sob qualquer contexto e escolhe a quem quer, para ser profeta. Com isso quer se dizer que Ela por si mesma efetua o que Deus determinou.
O que se encontra aqui que pode dar ânimo ao profeta Jeremias para que cumpra a vontade de Deus? Observemos, aqui, três verdades animadoras a esse homem da Palavra:
1. É Deus quem cuida da Palavra e não o profeta (11,12):
Cabia ao profeta profetizar e não o executar a profecia. Não lhe cabia “fazer figuinha” para que acontecesse conforme o profetizado, mas descansar depois de profetizado (11:14).
Embora a Palavra de Deus seja modalidade, ela utiliza-se de símbolos. Quais e por que Deus os usa aqui? A amendoeira florescendo: a amendoeira é a árvore a florescer na primavera. A florescência aparece antes das folhas.
O profeta pergunta “o que isso significa” e, como resposta entende que Deus está a dizer: “Eu estou acordado para cumprir a minha Palavra”. Jeremias “frisa que Deus está continuamente operando na história e nas pessoas fazendo frutificar os seus planos”, diz Russel Shedd.
A panela fervendo: expressa a situação concreta da profecia: o povo verá o cumprimento da profecia quando for levado, em dores, ao cativeiro. Uma vez entendidas as visões, Jeremias deveria dar significação a cada uma delas dentro da história de seu povo. Não é de significado fácil as visões, ainda mais em vista as várias profecias mentirosas que se proclamavam no reino.
A palavra não é própria do pregador. A visão da amendoeira é a garantia de que Deus cumprirá sua Palavra. O caldeirão indica a natureza dessa mensagem: juízo! Enquanto o profeta só se relaciona às visões devido ao seu compromisso com Deus e a obediência àquilo que pregou, pois ele também é passivo da mesma Palavra que prega. Deus é quem age através da Palavra e não o profeta. Jeremias, sozinho nada poderia contra nações, sacerdotes e reis.
Dois pontos exaltam o poder da Palavra. Ambos expressam realizações que transcendem a atuação humana. O primeiro ponto parece negativo. Contudo, a nível de contrastes, o seu poder é positivo.

O segundo é pleno de significados vivos de alegria.
1- Tem-se a Palavra sob a imagem de poder que destrói, derriba, arranca, arruína. O poder das palavras de Jeremias causaria, no primeiro instante, aparente mal. Contudo, assim como se deve preparar a terra, escavando, arrancando ervas daninhas, revirando o solo, semelhantemente, Deus não edifica a sua vontade sobre escombros velhos. É necessário derribar, arrancar aquilo que tão fragilmente se construiu.
2-Pode ser bom algo que causa a destruição? Parece que sim. O profeta tem de trazer uma mensagem que, antes de tudo, deve arrancar e destruir. Deus tem que remover primeiro o pecado (Ef. 4:15; IIPe. 3:18).O que deveria ser arrancado, destruído? Pelo que tudo indica neste livro, a doutrina judaica, a liturgia, o governo e o povo estavam enganados quanto a Vontade de Deus. Os vícios, mazelas deveriam ser expurgados de seus corações para que Deus pudesse, novamente conviver com o povo (Jr. 31:31).
Este aspecto da Palavra de Deus como aquela que destrói, arranca, lembra a teoria de Jacques Derrida. O filósofo cria um sistema chamado “desconstrutivismo”. Segundo ele, o mundo ocidental construiu verdades ao longo da história que, hoje, são difíceis de serem abandonadas. Ele postulava que, o conhecimento surge do abandono das idéias, conceitos ocidentalizados de verdade. Seria necessária uma desconstrução para que ocorresse o progresso do conhecimento.
Longe de querer comparar o filósofo ao profeta, mas serve bem como exemplo que a, às vezes, a desconstrução é a melhor maneira de construir.
3-Depois, tem-se na visão a imagem do poder da Palavra que Edifica e Planta:
Trata-se de uma verdade óbvia no mundo do construtor ou agricultor: depois de arrancar é que se deve plantar, depois de derribado no chão é que se deve edificar. Portanto, a Palavra que o profeta pregaria teria o poder de atingir o objetivo determinado por Deus (Is. 55: 10, 11): a Palavra não voltará vazia, mas prosperará.
4- A Palavra (Verdade) é poderosa para proteger a sua voz (18- 19):
Deus usa símbolos na linguagem para que o profeta entenda que, uma vez, pregando a Sua Verdade, Jeremias não teria o que temer (18). Observemos que agora, o que Jeremias vê não diz respeito ao relacionamento da Palavra para com os outros, mas, desta para com o profeta:
A.Cidade fortificada: não é facilmente conquistada;
B.Coluna de ferro: sustenta o edifício, dando-lhe forças;
C.Muro de bronze e não de barro: impenetrável.

A Palavra de Deus não coloca o homem num lugar como acidente, mas provisão para a hora; voz para o seu tempo, vida para cemitério e morte para os zumbis ( Ez: 37: 1-).
Como aproximação entre Jeremias e SPR-Cne, vemos o desafio de se pregar a Palavra de Deus em todas as suas nuances. Contudo, à semelhança do mesmo profeta, temos recebido a visão de que a Palavra é o nosso próprio escudo, cidade fortifica. Esta Palavra é a um só tempo, o que nos dá a graça para sermos fortes, escudo e torre, bem como, o que nos faz atrair os desafios: viver e pregar a Palavra (Jr.1:17-19). Pois, se por um lado, Deus faz de Jeremias cidade fortificada, coluna de ferro e muro de bronze, é só para que, por meio do profeta, a Palavra atinja o seu propósito. Ora, não é com outros meios que um seminário chega a 47 anos! É com o poder desta Palavra que Deus sustenta esta casa!
O que o profeta Jeremias viu, temos visto: a necessidade de uma Palavra que traga os homens à vontade de Deus (5,10); O que Jeremias sentiu, também sentimos: “Ah, Senhor Deus, Eis que não sei falar, porque não passo de uma criança (6).”; Mas o que o profeta experimentou, também experimentamos: “Não temas diante deles, porque eu sou contigo para te livrar, diz o Senhor (8,12).”
John Piper, em ‘O legado da alegria’ soberana, comenta a descoberta que João Calvino fez da majestade de Deus ao ler as Sagradas Escrituras. Pipper salienta o sermão que Calvino, como um desafio, fez de Deuteronômio aos pastores da sua época:
“Que os pastores corajosamente ousem todas as coisas pela palavra de Deus […], que contenham e comandem todo o poder, glória e excelência do mundo, que dêem lugar e obedeçam à divina majestade dessa palavra. Que encarreguem o mundo todo de fazer isso, desde o maior até o menor. Que edifiquem o corpo de Cristo. Que devastem o reino de Satanás. Que cuidem das ovelhas, matem os lobos, instruam e exortem os rebeldes. Que amarrem e libertem trovões e raios, se necessário, mas façam tudo isso de acordo com a palavra de Deus”.
Louvamos a Deus, pois é com o Poder da Palavra de Deus que o Homem da Palavra tem conseguido triunfar ante as forças do diabo e dos homens.


Sola Scriptura, sola Deo gloria!

Pr. Eliandro da Costa Cordeiro.

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