domingo, 25 de dezembro de 2011

O Jesus dos íntimos: uma reflexão em Mc.9:2-8 e Mt.17.1-9..


         Quando se pensa no que significa ter intimidade com Deus é indissolúvel a idéia de oração. Parece-nos que esta e a leitura das Escrituras são as primeiras no tópico “andar com Deus”.
         Contudo, conforme M.L. Jones, ter autoridade para se falar e escrever livros sobre oração é algo complexo. Oração é algo tão íntimo e particular e conta com experiências diversas que é difícil prognosticar o que deve ocorrer, traçar rotas.
         É o que vemos acontecer entre Jesus e os três discípulos escolhidos por Ele neste texto. Pedro, Tiago e João (os mais íntimos de Jesus) experimentam momentos de fraquezas próprias e de grandes revelações divinas.
         Mateus se importa em situar-nos o texto e diz: “seis dias depois destas coisas[...].”Depois do que? Dentre muitas coisas ocorridas, a transfiguração ocorre depois de Jesus ter dito que, (a)- 'alguns' dos discípulos veriam a gloriosa vinda de Cristo e do seu Reino; (b)- depois de expor aos discípulos o caminho do discipulado, isto é, carregar a sua cruz; (c)-depois também de Jesus ter revelado aos discípulos a sua identidade e de sua predição da cruz.
         Assim, não é sem propósito que Cristo os leva ao monte. Depois de revelar-lhes o sofrimento que há de passar, o Senhor tem o intuito de escorar a fé dos discípulos, fortalecendo-a. Por isso, vemos os discípulos, agora, perplexos ante a transfiguração de Jesus. Rosto fulgurante (Dn.10:5,6; Ml.4:1,2;Ap.1:13,14), nuvem, remetem a Moisés no Sinai; o que significa que Jesus é maior do que este.
         Essas coisas acontecem longe do vale, da terra plaina... Por que é tão difícil manter uma vida de intimidade com Deus? Por que para muitos este momento é tão penoso?
         Orar não é privilégio de muitos, embora muitos falem com Deus; orar é privilégio dos íntimos.Não é dom ou ministério, é intimidade. Como toda a intimidade, orar implica em tornar-se cumplice da vontade e do desejo de Deus.
        Talvez, tem-se aqui o porquê existam muitos que creditam que orar é dom, é ministério. Pensar assim, pode dar às consciências fustigadas pela necessidade de Deus, um certo grau de alívio ao seu egoismo.Contudo, não parece razoável crer que orar seja um dom; senão, que é uma obrigação e fato/ato natural da natureza cristã (ISm.12:23;Mt.6:5; 11:25;Lc.6:28;22:40;Cl.1:9;ITss.5:17,25;IITss.3:1;Hb.13:18).
       Tal perspectiva é facilmente vista na vida de Nosso Senhor. Ele tanto ora ao Pai numa manifestação divino/filial, como traz consigo os seus discípulos a esta vida de intimidade com o seu Pai.
       Os Evangelhos nos mostram que, Jesus em todos os momentos em que orou, não o fez como dom ou ministério. Cristo o faz como necessidade encarnacional de Deus, de comunhão, auxílio e prazer. Tais momentos são percebidos em meio à intempéries diversas. Ele dá graças pelo pão, ora pelos enfermos, ora em gratidão pela revelação de Deus Pai aos pequeninos, ora explorando possibilidades, e ora em clamor ao Pai.
       Neste dia no monte, os discípulos aprenderam lições sobre a vida de oração que marcaram as suas vidas. A oração se moveu do âmbito do "simples relacionamento de religião como alívio psico-teológico para o princípio relacional da oração: EU-Deus; Deus-Eu-Tu.
      Este princípio é melhor observado como se segue abaixo:
I- O que Jesus faz aos seus amigos:

1- Leva-os aos lugares mais altos (2):
         Às vezes a dificuldade em se manter uma intimidade com Cristo é que o seu discípulo não quer se separar da terra, do mundo. Quer conviver com Cristo e o barulho dos homens. Observemos que Jesus vem dizendo aos seus acerca Este de sua morte e vinda, mas só no monte ele revelou a sua pré-glorificação.
         Ora, podemos conviver muito bem com o fato de que Cristo morreu por nós e que devemos levar a nossa cruz sem, contudo, deslumbrarmos o seu poder e ressurreição!!

2- Manifesta-se a eles como a ninguém mais (1,3):
         A transfiguração ocorre diante de três discípulos. Vêem o rosto de um homem cansado eclodir em o rosto do sol, suas roupas empalidecida pelo tempo e pó se transformarem em luz, sem sombra, pura!
         Os íntimos de Jesus o vêem como poucos vêem. Ele não é só um homem que sujou os seus pés fazendo o bem, curando e pregando. Não é só o Jesus da história; é o Filho de Deus!
3- Compartilha-lhes segredos (5):
         Ed René Kivitz: “ Ser íntimo de Deus não é aquele que é capaz de contar-lhe segredo, mas aquele a quem Deus compartilha segredos.” É o que vemos aqui. Pedro, Tiago e João, provavelmente, ouviram Jesus conversar com Moisés e Elias acerca do êxodo, ou saída de Jesus, o que Ele havia de realizar em Jerusalém. Conforme Gundry, “o verbo “cumprir” que a morte de Jesus era algo predeterminado, não sendo fruto de algum acidente.”

II- O princípio relacional da oração na vida de Jesus [ Eu e Deus, Eu+Deus; Deus+Eu+o Outro]:
 O princípio se traduz como pergunta: O que os íntimos de Jesus devem fazer-lhe?
         Ser íntimo de Jesus é, também, cumprir deveres, pois intimidade é cumplicidade:
1- Ouví-lO (7):
         O voz de Deus no monte deixa claro aos discípulos que  aquele que quer ser íntimo de Deus deve ouvir a Jesus, ouvir o que Ele diz.
         Ouvir ao Filho corresponde a obedecê-lo. Jesus vinha declarando aos discípulos o fim de sua obra na terra e o dever que esses teriam de carregar a sua cruz até o fim. Assim, os discípulos deveriam obedecer aos ensinos do mestre e pô-los em prática. Ora, ouví-lo é ordem do próprio Deus!  É indispensável àqueles que querem ter intimidade com Deus aprender a ouvir, e ouvir a Jesus. Falar com Jesus é bom, mas ouví-lo requer paz e paciência. Silêncio aos anseios da alma ante os joelhos dobrados em oração. É quando nossos coroações despejam desabafos e pedidos que devemos ouví-lo.
         A ordem de Deus nos chama à responsabilidade quando descermos do monte. A vida cristã não é feita só de contemplação da beleza da face divina. Ela é revelada, também, mediante rostos de almas obedientes a Deus!
2- Fixar os olhos somente em Jesus (8):
         O que isto significou para os três discípulos? Moisés e Elias eram as duas mais importantes personagens do mundo hebreu. Os dois conversam com Jesus e, dentre esta conversa uma voz diz que, dos três, quem deve ser ouvido é tão só o Filho de Deus, isto é, Jesus. Os dois, Moisés e Elias somem juntamente com a nuvem, mas Cristo continua lá, firme, deslumbrante! Os discípulos deveriam entender que, embora, Moisés e Elias indicassem a Lei e os profetas, Jesus era o cumprimento de ambos (Dt.18:15); é superior a qualquer homem por mais importante que possam ser. É em Cristo que a vontade final e eterna de Deus se realiza!
         Por que é tão difícil ter intimidade com Deus? Muitas vezes tiramos os nossos olhos de Jesus e os fixamos naqueles que apenas contribuem, de alguma forma, para a realização da vontade de Deus, mas nem sempre satisfazem a Deus com sua inteira vida. Quando olhamos a Jesus descobrimos que é mais fácil andar neste mundo vil (Hb. 12:1,2).
      3- Despedir-se do monte (lugar), mas não de Deus (4,9):
         Pedro tem de aprender que não se fica para sempre no monte. Se lá em cima Cristo se revela a eles, lá embaixo, Ele se revela através deles (Jo.15:14,15). Pedro parece querer uma religião de conforto, moleza, um 'eterno encontro com Deus'. Esta é a religião do êxtase, do místico, da emoção, mas desprovida de razão e entendimento.  
         No entanto, na vida daquele que anda com Jesus, há vales, demônios e desafios. Pedro tem de descer do monte, mas não o desce sem que Cristo desça com eles! Cristo não fica com Moisés e Elias, fica com os discípulos! Pedro quer fazer cabanas para si, para Jesus e os dois homens, mas é repelido. Ele quer colocar o legislador e o profeta no mesmo nível que seu mestre, como se fossem iguais. Jesus o repele imediatamente!
         Os discípulos que ficaram ao pé do monte descobriram a dificuldade de tentar realizar algo sem Jesus: não conseguem expelir o demônio de um garoto. Mateus ao seguir com a narrativa até a história do garoto endemoninhado contrasta a pessoa de Cristo com os seus discípulos incapazes. Que desgraça é o ser humano sem fé em Deus!Quer no monte ou nos vales, Jesus deve estar sempre conosco. Para isto não vale cabanas ou casinhas, Ele deve ser livre!! É Cristo que faz o sagrado e não o sagrado quem atrai a Jesus.

Conclusão:
         Os discípulos tiveram uma experiência ímpar com Jesus. Em Mc. 9, tal experiência é cheia de fraquezas dos discípulos. Há um contraste existente entre a religião dos discípulos e a vida espiritual de Jesus. A forma e a necessidade com que ora, a maneira com a qual se comporta quando acaba de ser a personagem central desta manifestação divina. Ele conversa com os discípulos na descida do mundo como aquele que continua na presença de Deus, sem contudo que esta presença modifique a sua vida, pois tal vida é perfeita. Para Jesus, monte e vales são ambientes onde se podem cultuar a Deus.
         Óh, quanto temos que aprender com o Senhor Jesus acerca de intimidade com Deus! Temos Nele o exemplo de uma religião que não se afasta da realidade, mesmo quando sobe aos altos montes e vê a Deus!
         Ele desce ao encontro de seus discípulos em apuros, volta a libertar as almas aprisionadas pelo diabo. Há muito o que fazer até a sua morte na cruz, quando, ele sabe, ressuscitará com aquele corpo da transfiguração. Jesus nos ensina a sermos íntimos de Deus no monte ou no vale, na paz ou no barulho. Basta-nos ouví-lO e não tirarmos os olhos Dele!!

                                                                                                                                   Eliandro da Costa Cordeiro, SPR-Cne.

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