O calendário, os rituais de passagens e aniversários não me assutam mais. Aprendi com santo Agostinho e com Pascal que o Tempo nunca aceitou se prender às idéias humanas. Observaram que o passado, futuro e, mormente, o presente são furtivos. A vida segue solta, livre.
O que eu aprendi com o calendário ou com os reveillons? Ninguém deve estar apegado a esta vida leve, frágil se não estiver preparado para vivê-la na eternidade. Parece que o pêndulo, o peso para tamanha "insustentável leveza do ser" se encontra nela.
O que surpreende-nos com a eternidade é o fato de que ela não é Tempo. Ela não é presente, passado ou futuro. Não é um tempo inamovível ou imóvel. Prima facie, ela é Deus. Secundariamente. a eternidade é um estado, cujo SER não é privação, mas plenitude e, movimentos não mais são geração e corrupção. O que se É é-se em qualquer tempo, até à eternidade.
Mas o assutador é entender que a Eternidade não é um estado além, mas aquém. Já pensei que a Eternidade fosse uma realidade somente no Além. Descobri-a na brevidade da flor que murcha e cai. Se esconde no homem idoso que se prepara para o duelo com a morte. Não é algo que os racionais fazem ou criam; a Eternidade existe pelo que são. Sim, pelo que são e nunca pelo que serão ou foram. Se a eternidade fosse realidade por questão temporal, tornaria o homem menos do que o é agora.
Todavia, face a ela é que os homens encontram o paradoxo de sua própria identidade. Para alguns, a Eternidade é carência, desejo de ser Super-Homem. Li de um que ela é um desejo, reflexo de si mesmo numa tentativa frustrada de ser Deus.Nietzsche riu da eternidade pensada pelos cristãos. ele a intitula: covardia. Schopenhauer disse que ela era a vertente cristã do medo grego; isto é, o VAZIO.
Ao que parece, a Eternidade usa o Tempo para levar os homens aos limites de tudo aquilo que se é: nada! "Afinal, o que é o homem dentro da natureza? Nada em relação ao infinito; tudo em relação ao nada; um ponto intermediário entre tudo e nada. Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas como o seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, e é-lhe igualmente impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o envolve" (Blaise Pascal, Le Pensée).
Pascal expressou bem estes dois mundo dos Racionais. A idéia de tempo imposta pela sociedade, o Tempo por si, bem como a sua dessemelhança com a Eternidade, levam o homem ao sentimento de impotência. "A eternidade das coisas, em si mesma ou em Deus, deve assombrar a nossa íntima duração. A imobilidade fixa e constante da natureza, em comparação com a transformação contínua que se verifica em nós, deve causar o mesmo efeito" (Blaise Pascal, Le Pensée).
A existência humana se assemelha à teia das aranhas. O tempo é o espaço onde a aranha contrói a sua sobrevivência, ao passo que é a própria aranha a Eternidade daquilo que a leva a construir-se. Ora, isto significa que, embora a teia seja um espetáculo a parte, o significado da beleza não está na física ou geometria da teia. O encanto, o sublime está na aranha que, sequer tem a noção daquilo que faz ou da beleza que produz. Fio com fio, espaços simétricos, ponto com ponto que se fixam em bases estáveis... a aranha vive a vida sobre uma engenhosidade a qual sequer se dá conta. Se estético ou não, ela se ocupa com os insetos que alí grudarão.
A estrutura humana não nos serve de base para a continuidade desta vida. Podemos ser como a aranha: chamar o tempo de eternidade e ignorar o belo da vida numa preocupação instintiva pela presa. Podemos tecer a vida sobre bases sólidas: ponto a ponto no calendário e, assim, construirmos o nosso universo dentro do tempo. Mas a eternidade não respeita o tempo nem a estrutura humana. Ela não se move; não se precipita.
A aranha é mais bela do que a teia; mais complexa do que as cadeias de amnoácidos, proteínas produzidas por ela. Todavia, a aranha e a sua teia são de um mesmo material e pertencem-se mutuamente. Se a sua teia é cinco vezes mais forte do que o aço e é produção da própria aranha, isto garante que a aranha seja mais forte do que o aço? Sua teia resiste ao vento ou a uma presa maior?
Eliandro Cordeiro
Um comentário:
Olá prof. que bacana seu texto...
Sua linguagem, premissas e inquietações fazem do sr. o mestre que é. Deus abençoe grandemente.
“Eu sei que eu ainda não sou quem eu deveria ser, mas eu também sei que já não sou quem eu era”. – Martinho Lutero
Abraços a Queila e a Ana Clara.
Saudades!
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